Para verificarmos a associação entre um fator de risco e uma
doença, podemos utilizar as medidas de risco e de
probabilidade de um evento ocorrer após a exposição a um fator
de risco. Para os estudos retrospectivos do tipo transversal e
de caso-controle, recomendamos o cálculo da razão de chances:
Razão de chances (Odds ratio)
A palavra Odds ratio (OR) vem do inglês odds=pares e ratio=
proporção, e
é a divisão entre a probabilidade de um evento
acontecer
quando se está exposto ou não a um fator de risco . É uma estimativa do risco
relativo, é a chance, a
probabilidade (GORDIS, 2009; BUSATO, 2016; BENSEÑOR; LOTUFO,
2005).
Para compreendermos o cálculo e a interpretação das medidas de
OR, razão de prevalência (RP) e risco relativo (RR), é
imprescindível construir uma tabela de contingência, também
chamada de tabela 2 x 2 (GORDIS, 2009; FRANCO; PASSOS, 2011;
BENSEÑOR; LOTUFO, 2005). A sugestão é que você sempre construa
a tabela colocando a exposição à esquerda na vertical e o
evento final (desfecho: doença, óbito, agravo) à direita na
horizontal; veja o exemplo a seguir:
Tabela 2 - Modelo de tabela 2x2 ou de contingência (exposição
x desfecho)
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Exposição ao fator de risco
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Doença (desfecho/evento final)
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Doente (Sim)
|
Não doente (Não)
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Total
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Exposto (Sim)
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A
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B
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A + B
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Não Exposto (Não)
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C
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D
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C +D
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Total
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A + C
|
B + D
|
A +B +C +D
|
Fonte: Gordis (2009).
A outra forma de se construir a tabela é colocando a doença ou
desfecho à esquerda, e a exposição à direita na horizontal,
como no exemplo:
Tabela 3 - Modelo de tabela 2x2 ou de contigência (desfecho x
exposição)
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Doença (desfecho)
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Exposição ao fator de risco
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Exposto (Sim)
|
Não Exposto (Não)
|
Total
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Doente (Sim)
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A
|
C
|
A + C
|
|
Não doente (Não)
|
B
|
D
|
B +D
|
|
Total
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A + B
|
C + D
|
A +B +C +D
|
Fonte: Gordis (2009).
Observe que os pares concordantes, as respostas Sim e Sim (A)
e Não e Não (B), permanecem no mesmo local em ambas as
tabelas, enquanto que os pares que discordam, respostas Não e
Sim (C), Sim e Não (D), mudam de posição na tabela. Isso pode
confundí-los quando forem aplicar as fórmulas das medidas de
associação. Por isso, é sempre importante, entender o cálculo
da medida e não só saber aplicar fórmulas.
A
razão de chances
(OR) é, na verdade, a razão entre o produto dos pares
concordantes e o produto dos pares discordantes (GORDIS, 2009;
FRANCO; PASSOS, 2011; BUSATO, 2016; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Razão de Chances (OR) = A multiplicado por D, dividido pelo
resultado da multiplicação de C e B, logo= A x D/ C x B.
Veja o exemplo de um estudo de caso-controle (dados
hipotéticos) em que a exposição ao fumo foi verificada como
fator de associação com o câncer de pulmão. Os casos de câncer
pulmão são aqueles confirmados por exames e clínica, e os
controles são indivíduos que diferem apenas na ausência da
doença.
Tabela 4 - Exemplo 1, tabela de contingência de estudo de
caso-controle sobre o câncer de pulmão e exposição ao fumo
(dados hipotéticos)
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Exposição ao fumo
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Câncer de pulmão
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Casos (Sim)
|
Controles (Não)
|
Total
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Fumantes (Sim)
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1.292 (A)
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1.246 (B)
|
2.538 (A + B)
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|
Não fumantes (Não)
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8 (C)
|
54 (D)
|
62 (C +D)
|
|
Total
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1.300 (A + C)
|
1.300 (B + D)
|
2.600
(A +B +C +D)
|
Fonte: a autora.
Assim, de 1.300 pessoas com o câncer de pulmão, 1.296
relataram serem fumantes; e de 1.300 controles, 1.246 também
eram fumantes. Neste caso, como se trata de um estudo
retrospectivo, a medida de OR é a mais apropriada para
indicar uma associação entre o fumo e o câncer de pulmão.
Logo:
OR= A x D/ C x B= 1.292 x 54/ 1.246 x 8 = 69.768/9.968= 6,99
≈ 7
A interpretação da OR é que os indivíduos expostos ao risco
(fumantes) apresentaram uma probabilidade sete vezes maior de
serem atingidos pelo câncer de pulmão do que os não-expostos
(não-tabagistas). Existe uma probabilidade sete vezes maior de
o evento ocorrer nos expostos em relação a uma vez nos não
expostos. Quando a relação é maior que 1, como nesse caso (7),
existe o risco de quando exposto ao fator analisado,
desenvolver-se a doença.
Quando o resultado de OR, RP e RR forem maior que um (1),
existe risco/probabilidade ou chance de o desfecho (doença,
óbito o outro evento) ocorrer nos indivíduos expostos ao fator
de risco. O resultado quantitativo significa quantas vezes o
risco da doença ocorrer no grupo exposto é maior do que no
grupo não exposto (PEREIRA, 2003; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; BUSATO, 2016; BENSEÑOR;
LOTUFO, 2005).
Veja o mesmo exemplo, mas alocando a exposição e a doença em
locais diferentes da tabela 2 x 2:
Tabela 5 - Exemplo 2, tabela de contingência de estudo de
caso-controle sobre o câncer de pulmão e exposição ao fumo
(dados hipotéticos)
|
Câncer de pulmão
|
Exposição ao fumo
|
|
Fumantes (Sim)
|
Não fumantes (Não)
|
Total
|
|
Casos (Sim)
|
1.292 (A)
|
8 (C)
|
1.300 (A + B)
|
|
Controles (Não)
|
1.246 (B)
|
54 (D)
|
1.300 (C +D)
|
|
Total
|
2.538 (A + B)
|
62 (C + D)
|
2.600
(A +B +C +D)
|
Fonte: a autora.
O resultado é o mesmo, no entanto, a tabela de contingência é
construída diferente.
Outro exemplo hipotético: um estudo transversal verificou o
consumo de carnes gordurosas duas vezes por semana ou mais em
indivíduos com dislipidemia (alterações nos níveis de lipídios
no sangue). Veja os resultados hipotéticos:
Tabela 6 - Exemplo 2, tabela de contingência de um estudo
transversal sobre a dislipidemia e o consumo semanal de carne
(dados hipotéticos)
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Exposição
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Dislipidemia
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Doentes (Sim)
|
Não doentes (Não)
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Total
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Consumo de carne acima de 2 vezes por semana (Sim)
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200 (A)
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200 (B)
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400 (A + B)
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Consumo de carne menor que 2 vezes na semana
(Não)
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100 (C)
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100 (D)
|
200 (C +D)
|
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Total
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300 (A + C)
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300 (B + D)
|
600
(A +B +C +D)
|
Fonte: a autora.
Logo, OR = (200 x 100)/ (200 x 100)= 20000/20000= 1 (um).
Neste caso, não há associação entre o consumo de carne
gordurosa, hipoteticamente, em relação às dislipidemias. O
consumo de carne gordurosa não interferiu no indivíduo
desenvolver essa doença, ou seja, a probabilidade da
dislipidemia ocorrer em indivíduos que consomem carne
gordurosa mais de duas vezes por semana com aqueles que se
alimentam com menor quantidade é a mesma.
Portanto, quando OR, RP e RR forem igual a 1, não há
associação entre a exposição ao fator de risco e a ocorrência
do desfecho final. A chance de o aparecimento de uma doença é
a mesma para o grupo exposto e o não exposto (PEREIRA, 2003;
ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
BUSATO, 2016; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Um outro exemplo hipotético: acadêmicos de medicina realizaram
um estudo transversal para verificar se as pessoas que
possuíam câncer de pele utilizavam protetor solar (com filtro
solar maior ou igual a 15) no rosto e corpo. Observe o
resultado:
Tabela 7 - Exemplo 3, tabela de contingência de um estudo
transversal sobre o câncer de pele e o uso de protetor solar
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Exposição
Uso de protetor solar
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Câncer de pele
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Doentes (Sim)
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Não doentes (Não)
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Total
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Sim
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25 (A)
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300 (B)
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325 (A + B)
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Não
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75 (C)
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100 (D)
|
175 (C +D)
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Total
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100 (A + C)
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400 (B + D)
|
500
(A +B +C +D)
|
Fonte: a autora.
Logo, a OR é = (25 x 100)/ (300 x 75) = 2.500/22.500 = 0,11.
Neste caso, a OR foi menor que um, ou seja, a chance do evento
ocorrer no grupo exposto foi menor que uma vez. Este resultado
mostra que o uso do protetor solar não é um fator de risco,
mas sim de proteção (PEREIRA, 2003; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009). Para que os clínicos
entendam esse valor menor que um, podemos fazer o seguinte
raciocínio:
Se 1 é a chance nula (não há associação), logo 1 – 0,11 (OR)
= 0,89 multiplicado por 100 porcento = 89% de chance a menos
da doença ocorrer nos indivíduos expostos em relação ao não
expostos.
Portanto, quando OR, RP e RR for menor que um, isso indica a
presença de um fator de proteção e não de risco. Não devemos
jamais descrever as medidas de associação com resultado
menor que um desta maneira: a chance de o indivíduo exposto
desenvolver a doença é 0,11 vezes maior que no indivíduo não
exposto. Você pode observar que não faz sentido a afirmação.
Portanto, devemos prestar muita atenção nos resultados de
OR, RP e RR, para que se possa interpretá-los de forma
correta, evitando a confusão e a descredibilidade do
resultado.