Seja bem-vindo(a) ao tema Principais Desenhos De Estudos
Epidemiológicos! Neste conteúdo vamos conceituar o estudo
descritivo, abordando as funções das variáveis ligadas ao
tempo, ao espaço e à pessoa, possibilitando o detalhamento
do perfil epidemiológico. Vamos descrever também os tipos
de estudos analíticos, observacionais e intervencionais.
Além disso, conceituar e compreender o estudo do tipo
transversal os estudos do tipo caso-controle; do coorte e
por fim, do ensaio clínico. Vamos lá?
Ao final deste tema de aprendizagem você será capaz de:
Conceituar o estudo descritivo, as funções das variáveis
ligadas ao tempo, ao espaço e à pessoa.
Descrever os tipos de estudos analíticos, observacionais
e intervencionais.
Conceituar e compreender o estudo do tipo transversal,
os estudos do tipo caso-controle; do coorte e do ensaio
clínico.
Inicie sua jornada
Estudante, lembra-se que a Epidemiologia é baseada em estudos
observacionais (sem intervenção) ou experimentais
(intervencionistas) realizados em populações? Esses estudos
verificam a frequência de fenômenos do processo saúde-doença
(como doenças, agravos e óbitos, ou cura e recuperação, etc.), e
identificam fatores de risco ou de proteção relacionados a esses
eventos, que ocorrem nas populações. A partir dos estudos
epidemiológicos, podemos conhecer a situação de saúde de uma
população e identificar grupos de risco, verificar a ocorrência
e causas de doenças e óbitos, e ainda determinar a eficácia de
medicamentos e vacinas.
Para isso, é importantíssimo realizar um estudo bem planejado,
com escolha criteriosa das variáveis investigadas, e utilizar
uma fonte de dados de alta confiabilidade. Com esses cuidados,
os resultados dos estudos epidemiológicos podem responder muitas
perguntas. Existem muitos tipos de estudos epidemiológicos:
aqueles que descrevem a frequência de eventos nas populações
(descritivos) e os que verificam a associação de fatores causais
com os eventos (analíticos). Descrevemos e exemplificamos os
principais estudos epidemiológicos: descritivos e analíticos. Os
estudos analíticos observacionais abordados aqui são: o
transversal (tópico II), o caso-controle e o coorte; e o do tipo
experimental de ensaio clínico (em humanos e não humanos).
Todos os estudos devem ser concisos e diretos, com metodologia e
objetivos bem delineados. Isso contribuirá para a obtenção de
resultados que respondem às questões de saúde. Em cada tópico
nós abordaremos um tipo de estudo epidemiológico, e você
conhecerá suas funções e interpretações, e compreenderá a
aplicação prática destes estudos para o conhecimento da saúde da
população e identificação de fatores associados aos desfechos em
saúde.
Desenvolva seu potencial
EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA
Iniciaremos com o tema
Epidemiologia Descritiva
, pois os estudos descritivos são aqueles que verificam a
distribuição dos eventos nas populações, como a ocorrência de
doenças (morbidade), óbitos (mortalidade), e outros agravos.
São os primeiros estudos a serem realizados, pois
identificam
os problemas de saúde, permitindo o planejamento e aplicação
das medidas de prevenção, proteção e promoção da saúde . Primeiramente,
é preciso conhecer a frequência e a distribuição de uma
doença ou outros problema em um determinado local e período . Posteriormente,
questionam-se as causas dessa ocorrência naquela
população (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Os estudos que permitem inferir causalidade de doenças são os
analíticos, descritos nos próximos tópicos deste conteúdo.
Os estudos epidemiológicos podem ser classificados como
descritivos e analíticos. A Epidemiologia Descritiva estuda
a distribuição dos eventos quanto às pessoas, o lugar e o
tempo. A epidemiologia analítica estuda a associação da
exposição e o efeito específico (MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO,
2011). Exemplos: qual é a relação entre o hábito de fumar e
o câncer de pulmão? Ter múltiplos parceiros e partos aumenta
a probabilidade ou o risco de câncer de colo uterino?
Tradicionalmente, a Epidemiologia Descritiva é definida como o
estudo da distribuição e da frequência das doenças e dos
agravos da saúde coletiva, em função de variáveis ligadas ao
tempo (dia, mês, ano), ao lugar (ambientais e populacionais) e
às pessoas (características individuais e populacionais)
possibilitando à promoção da saúde (GORDIS, 2009; MEDRONHO,
2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO,
2011). Por exemplo: podemos levantar o número de casos de
doenças cardiovasculares no ano de 2017 (tempo) em mulheres
(pessoa) na cidade de São Paulo (lugar).
A função dos estudos descritivos é esclarecer, para cada tipo
de doença, qual tipo de variação obedece. Assim, podemos
elaborar as seguintes questões (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO,
2011):
Como definir o evento e especificar a sua frequência em
relação às características das pessoas atingidas, dos
lugares e do tempo?
Quem ou quais pessoas foram acometidas pela doença? Podemos
investigar o sexo, a idade, escolaridade, estado civil, etc.
Foi atingido um grupo específico de pessoas, ou uma
população?
Onde ocorreram os casos? Em que local/lugar as pessoas foram
atingidas? Trata-se de um bairro, estado, país, restaurante?
Quando ou em que período/tempo as pessoas foram atingidas?
Ano, mês, semana epidemiológica.
Por quê a doença ocorreu?
A utilização de dados populacionais ou individuais é a
ferramenta epidemiológica para responder a todas essas
perguntas. As fontes de dados podem ser prontuários médicos,
declarações de óbito, laudos laboratoriais, inquéritos
populacionais (entrevistas, questionários e outros), etc. A
obtenção dos dados pode ser contínua (como a notificação de
doenças), periódica (como no caso do IBGE), ou ainda ocasional
(como em um estudo acadêmico) (GORDIS, 2009).
Na variável tempo temos os estudos que investigam a
ocorrência da doença em um curto prazo de tempo (séries
temporais) e os que observam a frequência da doença ao
longo de muitos anos (tendência geral), possibilitando
verificar a diminuição, o aumento ou a manutenção do
número de casos. Podemos ainda ter as distribuições
cronológicas da doença, como as variações cíclicas e
variações sazonais (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA
FILHO, 2011).
conjunto de observações ordenadas no tempo (mês, ano,
semana, dia). Exemplo: número mensal de nascimentos, de
óbitos ou de casos de uma doença notificável. A
frequência da doença é estudada em um curto intervalo de
tempo.
é a modificação na frequência com a qual as doenças
ocorrem num período bastante longo de anos,
independentemente de sua característica cíclica ou
irregular. Apresenta sempre uma tendência secular ao
aumento, à diminuição ou à constância. Exemplo: em mais
de 20 anos de estudo, observamos que a taxa de
mortalidade materna reduziu em aproximadamente 70%
(Figura 1).
Em relação à distribuição cronológica, temos a seguinte
classificação:
um dado padrão de variação é repetido de intervalo a
intervalo; de modo recorrente, alternam-se valores
máximos e mínimos. Ciclo semanal, mensal ou anual. Por
exemplo: o pico (elevação) do número de casos de
leishmanioses aumentam significativamente a cada cinco
anos (Figura 2).
é a propriedade segundo a qual o fenômeno considerado é
periódico e se repete sempre na mesma estação do ano.
Por exemplo: a gripe é sazonal, e ocorre geralmente em
estações chuvosas e frias.
Para que possamos verificar essas variações de acordo com
o tempo, podemos utilizar o Diagrama de Controle, que é um
dispositivo gráfico destinado ao acompanhamento, no tempo,
semana a semana, mês a mês, da evolução dos coeficientes
de incidência. O objetivo do diagrama é estabelecer e
implementar medidas profiláticas que possam manter a
doença sob controle. No eixo das ordenadas (Y), deverão
ser registradas as medidas de incidência, e no eixo das
abscissas (X), a variável relacionada ao tempo (PEREIRA,
2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO,
1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011). Veja o gráfico
abaixo:
Devemos distribuir o número de casos de acordo com o
tempo. A partir de dados obtidos anteriormente
(registrados em bases de dados ou obtidos pelos mesmos
pesquisadores), podemos calcular a média (Ẋ) do número de
casos ao longo dos anos anteriores e aplicar um
desvio-padrão fixo de 1,96 para mais e para menos, e assim
traçar um canal endêmico da doença (PEREIRA, 2003; FRANCO;
PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
Devemos distribuir o número de casos de acordo com o tempo. A
partir de dados obtidos anteriormente (registrados em bases de
dados ou obtidos pelos mesmos pesquisadores), podemos calcular
a média (Ẋ) do número de casos ao longo dos anos anteriores e
aplicar um desvio-padrão fixo de 1,96 para mais e para menos,
e assim traçar um canal endêmico da doença (PEREIRA, 2003;
FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
O termo endêmico se refere a qualquer doença espacialmente
localizada, temporalmente ilimitada, habitualmente presente
entre os membros de uma população e cujo nível de incidência
se situe sistematicamente dentro dos limites da faixa endêmica
referente àquela população e época determinada. Podemos dizer,
que uma doença é endêmica quando ela a sua distribuição ocorre
dentro do esperado, ou seja, dentro da normalidade. Ela sempre
é registrada e a ocorrência é uma constante (PEREIRA, 2003;
FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
Figura 1 - Diagramação da incidência da doença (eixo das
ordenadas, Y) de acordo com o tempo (eixo das abcissas, X)
Fonte: a autora.
Pensando Juntos
A média dos casos deve utilizar dados mais próximos do período
do estudo atual. Por exemplo: para construir o diagrama de
controle da distribuição dos casos notificados de malária no
Pará do ano de 1999, foi utilizada uma série histórica de
casos notificados de malária (de 1992 a 1998), que subsidiou a
determinação dos limites superior e inferior de casos
esperados no diagrama de controle de 1999 (PINHEIRO, 2000).
Quando somamos o desvio-padrão na média do número de casos
ocorridos anteriormente à pesquisa, traçamos no gráfico, o
limite superior do canal endêmico, e quando subtraímos o
desvio-padrão da média, obtemos o limite inferior do canal
endêmico. Se no período estudado, o número de casos permanecer
dentro do canal endêmico, podemos dizer que a frequência da
doença é endêmica e ocorreu conforme o esperado para aquele
momento.
Quando o número de casos excede o limite superior do canal
endêmico, podemos dizer que houve uma epidemia da doença
naquele período. Quando o número de casos se situa abaixo do
limite inferior do canal endêmico, dizemos que a doença está
eliminada ou erradicada. (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
X: Média; DP: desvio-padrão; Y: Frequência da doença
Figura 2 - Diagrama de controle
Fonte: a autora.
DIAGRAMA DE CONTROLE
Veja o diagrama de controle da malária no Pará no ano de 1999
(PINHEIRO, 2000):
Como podemos ver na Figura 3, o índice parasitário anual por
habitante excedeu o limite superior do canal endêmico a partir
do mês de junho até dezembro de 1999, baseando-se nos dados
dos anos anteriores (1992 a 1998). Portanto, observamos um
pico epidêmico da doença a partir de junho de 1999.
Com a detecção de uma epidemia, no ano 2000, a partir do Plano
de Intensificação das Ações de Controle da Malária da Amazônia
Legal (PIACM) foi recomendado como estratégia o fortalecimento
dos serviços de atenção básica no atendimento dos paciente
portadores de malária, notadamente no que se refere ao
diagnóstico precoce e ao tratamento correto dos casos, visando
reduzir a morbi-mortalidade.
Figura 3 - Diagrama de controle da distribuição mensal dos
casos notificados de malária de 1999 no Estado do Pará (dados
de 1992 a 1998).
Fonte: Informe Epidemiológico do SUS, 2002. Secretaria
Estadual de Saúde do Pará (SESPA)/ Fundação Nacional de Saúde.
Obs.: Série histórica de casos notificados de malária, que
subsidiou a determinação dos limites superior e inferior de
casos esperados no diagrama de controle de 1999.
Antes de afirmarmos que uma doença foi eliminada, erradicada,
ou que ocorreu uma endemicidade ou epidemia, devemos rever os
conceitos dessas palavras para não cometer erros graves na
interpretação da ocorrência de uma doença. Veja a seguir
alguns conceitos de relevância (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS,
2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011):
é a extinção, por métodos artificiais, do agente
etiológico de um agravo, ou do vetor, sendo impossível
sua reintrodução e totalmente desnecessária a manutenção
de quaisquer medidas de prevenção. Exemplo: a varíola
foi erradicada no mundo em 1980, e não se realiza mais
nenhuma medida preventiva da doença, nem a vacinação.
é atingida quando se obtêm a cessação da sua transmissão
em extensa área geográfica, persistindo, no entanto, o
risco de sua reintrodução, seja por falha na utilização
dos instrumentos de vigilância ou controle, seja pela
modificação do comportamento do agente ou vetor.
Exemplo: No Brasil, o tétano neonatal foi eliminado no
ano 2003 após a introdução maciça da vacinação em
mulheres em idade fértil. No entanto, a vacinação e as
medidas de higiene ainda são preservadas para que a
doença se mantenha sob controle.
é toda a flutuação que excede significativamente os
valores normais de incidência da doença, tendo como
referência uma série de casos ocorridos em anos
anteriores. Exemplo: o número de casos de dengue excedeu
o esperado para aquele mesmo período do ano, tornando-se
uma epidemia. O surto epidêmico é a ocorrência epidêmica
restrita a um espaço extremamente delimitado (colégio,
quartel, edifício, bairro, restaurante). Exemplo: um
surto de salmonelose em uma escola da cidade X. Ocorreu
um número de casos maior que o esperado em um lugar
restrito e limitado.
qualquer doença espacialmente localizada, temporalmente
ilimitada, habitualmente presente entre os membros de
uma população e cujo nível de incidência se situe
sistematicamente dentro dos limites da faixa endêmica
referente àquela população e época determinada. Exemplo:
na cidade de Maringá, ocorrem anualmente 100 casos de
leishmaniose.
é a ocorrência epidêmica caracterizada por uma larga
distribuição espacial, atingindo várias nações. É uma
elevação não habitual da incidência de uma dada
patologia. Exemplo: a pandemia do H1N1 ocorrida no ano
de 2009. Ou ainda a pandemia da AIDS.
Em relação à variável lugar, podemos verificar a
distribuição de um evento de saúde de acordo com a área
urbana ou rural. As frequências das doenças variam muito
conforme o lugar e o ambiente em que as pessoas vivem.
Em áreas urbanizadas, temos uma maior concentração
populacional, logo, maior produção e acúmulo de lixo,
poluição e outros. Consequentemente, há um maior número
de doenças relacionadas a isso, como leptospirose,
alergias, doenças respiratórias e outras (PEREIRA, 2003;
FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999;
ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Veja essa situação: o sudeste brasileiro está quase 90%
urbanizado, enquanto que o norte, 62%. A distribuição de
doenças relacionadas à urbanização é maior no sudeste que no
norte. Verificamos também que a atenção primária na zona
urbana é bastante superior em relação a população rural.
Tomemos como exemplos as doenças sexualmente transmissíveis
(DST): elas ocorrem com maior frequência nas áreas urbanas
devido ao maior contingente populacional, à promiscuidade e a
outros fatores. As doenças ocupacionais também ocorrem nas
áreas urbanas, devido à maior concentração de indústrias
(PEREIRA, 2003; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Na área rural, observamos uma maior ocorrência de doenças
relacionadas à presença de vetores, ao tipo de habitação, ao
saneamento ambiental e aos modos de vida. Nas áreas rurais,
encontramos uma maior prevalência de doenças como a
leishmanioses, a malária (Figura 6), a doença de Chagas e
outras. Devemos também levar em consideração a diminuta
disponibilidade de assistência médica; essas áreas possuem,
muitas vezes, poucas e precárias oportunidades de trabalho;
caracterizam-se por baixos salários. Apesar de ligadas à
terra, as pessoas geralmente são mal alimentadas ou ainda
desnutridas; existe uma baixa proporção de domicílios com
saneamento (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL;
ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
A variável lugar também pode se referir a bairros, municípios,
estados, regiões e países. Uma forma representativa da
distribuição de casos de eventos em saúde é o mapa (veja a
figura 6). Os mapas são muitos utilizados para mostrar as
áreas de maior ocorrência da doença, assim como as áreas
protegidas (GORDIS, 2009).
O conhecimento do lugar em que a doença ocorre permite aos
gestores e à população promover me- didas de controle das
doenças e dos fatores de risco de forma pontual e localizada.
Por isso os estudos descritivos não podem cessar; devem ser
contínuos pois, após a tomada das medidas e as ações de saúde,
podemos realizar novamente o estudo para verificar a eficácia
e os resultados de sua aplicação sobre a frequência dos
eventos relacionados à saúde (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS,
2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
Figura 4 - Mapa de risco da malária por município de
infecção, Brasil, ano de 2011. IPA: índice parasitária anual
por mil habitantes
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Boletim Epidemiológico. Situação epidemiológica da malária no
Brasil, 2000 a 2011. v. 44, n. 1, 16 p., 2013.
VOCÊ SABE
RESPONDER?
Você já pensou que a sua saúde reflete o ambiente em que
você vive?
Distribuição, segundo atributos da população (Pessoa)
A ocorrência de doenças também varia conforme as
características populacionais
e leva em consideração as particularidades de cada
indivíduo. Podemos investigar a ocorrência do evento de
saúde de acordo com as características demográficas (idade,
sexo e grupo étnico), as variáveis sociais (como estado
civil, renda, ocupação), as variáveis que expressam o estilo
de vida (hábito de fumar, consumo alimentar, prática de
exercício físico) (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
Ao estudar a variável idade, por exemplo, podemos ter
muitos desfechos interessantes em relação às doenças.
Veremos que na infância ou nas crianças em idade
pré-escolar encontramos uma maior frequência de doenças
como a coqueluche, a varicela, as disenterias e a gripe,
ou seja, doenças mais relacionadas à higiene, ao contato
direto pessoa-pessoa ou decorrentes de objetos
contaminados de uso comum, e aos aglomerados de pessoas.
Em adultos jovens observamos uma maior ocorrência de
tuberculose, malária, febre amarela, doenças
profissionais, as quais estão mais relacionadas aos seus
hábitos, à exposição a diferentes ambientes. Indivíduos
de meia idade ou idosos estão mais sujeitos a doenças
relacionadas à senescência (envelhecimento), como as
doenças cardiovasculares, queda, depressão, artrite,
pneumonias e etc (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
Em relação ao sexo, podemos discriminar as causas de
óbitos de acordo com essa variável, umas vezes que as
pessoas são acometidas por doenças específicas de sua
natureza, como por exemplo: as mulheres desenvolvem
câncer de colo uterino, enquanto o homem, o câncer de
próstata. Te- mos inúmeras situações que podem estar
ligadas ao sexo (PEREIRA, 2003; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
A ocupação do indivíduo pode afetar sua qualidade de
vida e influenciar a prevalência das doenças. Por
exemplo: o saturnismo (intoxicação aguda ou crônica por
chumbo) está ligado com a tipografia (impressão de
jornais, indústrias automobilísticas, pintores); a
brucelose (doença infecciosa causada pela bactéria
Brucella
) a matadouros e frigoríficos; o sedentarismo pode estar
ligado a empresários e executivos que possuem maior taxa
de doenças cardiovasculares ou depressão (PEREIRA, 2003;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
O estado civil também pode influenciar a saúde, uma vez
que, em geral, os coeficientes de morbimortalidade por
doenças mentais, suicídios ou acidentes e DSTs são mais
elevados entre não casados (viúvos, solteiros,
desquitados, divorciados). Acredita-se que isso pode
estar relacionado à solidão, à instabilidade, ou à maior
exposição aos fatores (PEREIRA, 2003; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011).
Os fatores socioeconômicos também são importantes
determinantes. Tomemos o estado de saúde das nações, que
é um dos critérios através dos quais se torna possível
classificá-las nas categorias de desenvolvidas, em
desenvolvimento ou subdesenvolvidas. Sabemos que regiões
mais desenvolvidas disponibilizam os melhores sistemas
de saúde, menores taxas de doenças transmissíveis, menor
número de óbitos por violência e doenças infecciosas
(PEREIRA, 2003; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
EPIDEMIOLOGIA ANALÍTICA E ESTUDO TRANSVERSAL
Como mencionado,
os
estudos analíticos
são aqueles que verificam a associação de fatores de risco
com os desfechos de saúde
(óbito, doenças e outros). Os estudo analíticos podem ser
observacionais ou experimentais. Os estudos observacionais não
intervêm na saúde do indivíduo, apenas observam a distribuição
dos fenômenos (doença, agravos, óbito, cura e outros) e seus
preditores.
Os estudos experimentais são baseados em uma ou mais
intervenções na saúde do indivíduo , como na testagem de um novo medicamento
ou vacina, de
métodos de diagnóstico e outros (próximo tópico deste
contepudo) (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011;
FRANCO; PASSOS, 2011).
Dentre os principais tipos de estudos observacionais, o
mais realizado é o transversal. Esse tipo de estudo é
capaz de medir a prevalência de desfechos em saúde e seus
preditores, e de gerar hipóteses dos fatores de risco
associados às doenças. Ele é muito utilizado para planejar
ações em saúde e medir a eficácia dos serviços e ações de
saúde (MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011; FRANCO; PASSOS, 2011).
O
estudo transversal
também é chamado de seccional e de prevalência, são sinônimos
muito utilizados. O levantamento dos dados (doença ou outro
evento e fatores preditores) é realizado em único momento da
pesquisa e não há acompanhamento do estado de saúde do
indivíduo, ou seja, investiga-se o que se tem naquele momento.
Os dados coletados refletem o presente e o passado, o que o
indivíduo tem naquele momento da pesquisa e o que ele acumulou
em todos os anos vividos. Por isso, caracteriza-se como um
estudo retrospectivo (PEREIRA, 2003; MEDRONHO, 2009; GORDIS,
2009).
Para o delineamento da pesquisa, primeiramente, é preciso
selecionar a população que será estudada, o número de
pessoas e a representatividade da amostra (10 a 30 % da
população total de um município, por exemplo). O ideal é
sortear aleatoriamente uma amostra da população. O
pesquisador também deve planejar as variáveis que serão
investigadas. Após a coleta de dados, examinam-se as
distribuições das variáveis dentro dessa amostra. Com a
coleta de dados sobre a exposição a fatores de risco
(preditores) e os problemas de saúde, é possível sugerir a
causa e o efeito (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015).
Zoom no Conhecimento
As variáveis são detectadas apenas naquele momento para
verificar a distribuição dos desfechos e seus determinantes em
uma população, definindo a prevalência da doença a partir de
uma amostra populacional (Figura 7), e não a incidência
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015). O estudo transversal é útil para estudar populações
e inquéritos epidemiológicos (HULLEY
et al
., 2015)
As fontes utilizadas geralmente são prontuários médicos,
laudos laboratoriais, questionários aplicados para uma
população, bases de dados como a plataforma DATASUS do Sistema
Único de Saúde, e outros (GORDIS, 2009; PEREIRA, 2003;
BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Delineamento de um estudo transversal
No estudo transversal, a exposição e a ocorrência da doença
são medidos no mesmo momento, por isso não se pode avaliar
relação causa-efeito, ou seja, não se pode afirmar a causa
daquele evento, somente sugerir.
Não se tem certeza de que o desfecho foi atribuído à
exposição a um fator preditor. Isso porque não há um período
de acompanhamento dos indivíduos participantes da pesquisa,
e nem intervenção em sua saúde . O pesquisador não estava no momento da
exposição e não pode
afirmar que o preditor precedeu o desfecho. Lembre-se de que
os estudos transversais são retrospectivos e, muitas vezes, as
fontes dos estudos transversais não são completamente
confiáveis (PEREIRA, 2003; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999).
Por isso, dizemos que as associações verificadas no estudo
transversal apenas geram a hipótese de causa-efeito, mas
não afirmam causalidade. Para isso, devemos realizar
estudos do tipo ensaio clínico ou de coorte. Em geral, os
estudos transversais utilizam amostras representativas da
população, e não o todo. Por isso, é importante definir
com rigor os limites de sua população, pois será preciso o
denominador para o cálculo da prevalência.
Embora não represente o ideal metodológico da epidemiologia
moderna, tem sido o mais empregado na pesquisa. Isto se deve
às muitas vantagens de se realizar este tipo de estudo, como a
curta duração, a avaliação preliminar de uma hipótese; a
simplicidade de execução, a facilidade e o baixo custo.
Por ser um estudo retrospectivo, simples e de baixo custo que
verifica o resultado de ações já executadas, o estudo
transversal tem sido muito utilizado para acompanhar e avaliar
programas de prevenção de doenças. Por exemplo, podemos
verificar se o rastreamento do câncer de próstata foi efetivo
em detectar novos casos após a Campanha Nacional Saúde do
Homem. Assim, podemos verificar a situação de saúde após a
aplicação de uma medida de controle. Por exemplo: podemos
coletar os dados de prevalência de câncer de colo uterino após
a implantação e o acesso ao diagnóstico citopatológico
oncótico, também conhecido como exame de Papanicolaou.
Delineamento de um estudo transversal, neste tipo de estudo, a
partir de uma população selecionada por amostragem, realiza-se
um levantamento de variáveis e desfechos em saúde
simultaneamente, obtendo-se a distribuição da doença e dos
fatores investigados.
O estudo transversal possui problemas metodológicos de
pesquisa e algumas limitações, como: é pouco eficiente para
demonstrar relação causal; não há garantias de que a exposição
precedeu a doença. O paciente não foi acompanhado pelo
pesquisador, então não sabemos se ele se expôs a um fator de
risco antes ou depois de ter a doença. São estudos
ineficientes para avaliar a evolução clínica da doença (não se
acompanha). Os pesquisadores podem cometer erros de
classificação dos problemas ou de exposição, principalmente
quando os registros são incompletos ou preenchidos por
diferentes pessoas. Não avalia medidas de risco (risco
relativo, risco atribuível ou outro), apenas de associação (
Odds ratio
e razão de prevalência) (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Podem ainda ocorrer inúmeros vieses durante a pesquisa, como o
de seleção e de memória, que são os mais comuns. No viés de
seleção, podemos ter problema na amostragem, como não ser
representativa da população. Pode-se também selecionar uma
amostra por conveniência, na qual o pesquisador escolhe quem
participará da pesquisa de forma não aleatória, mas
intencional. Isto pode influenciar no resultado final da
pesquisa e favorecer o desfecho que se busca e não
verdadeiramente o que se tem (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Aprofundando
Para analisar os resultados dos estudos transversais, podemos
comparar o indicadores de saúde e de exposição de uma
população ou mais, e realizar os testes de significância
estatística, como o teste de diferença de proporções (Z e T) e
o teste do Qui-quadrado (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
As únicas conclusões legítimas derivadas da análise dos
estudos de prevalência restringem-se a relações de associações
e não de causalidade. Portanto, o emprego da medida de
associação de
Odds ratio
ou razão de prevalência é o mais indicado para gerar hipóteses
dos fatores de risco associados aos desfechos investigados
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011).
Vamos dar um exemplo de um estudo hipotético. Na cidade de
Santa Helena (Paraná), realizou-se um estudo transversal
para avaliar fatores associados com a doença cardiovascular.
Os adultos com mais de 20 anos e de ambos os sexos somavam
20.000 habitantes. Essa população foi submetida à dosagem de
glicemia de jejum para rastreamento de diabetes
mellitus
(DM) e foram questionadas sobre a presença de doença
cardiovascular.
Todas as variáveis preditoras e de desfecho foram
coletadas simultaneamente. Como resultado, 2.000
indivíduos tiveram diagnóstico para DM, dos quais oito
apresentaram doença cardiovascular
(DC).
Ao final da coleta dos dados e análise, 26 pacientes
manifestaram DC. Lembre-se que montar uma tabela de
contigência (2x2) é a melhor maneira para calcularmos a
Odds ratio
. Logo:
Tabela 1 – Exemplo 1, estudo transversal sobre doença
cardiovascular e a exposição a diabetes mellitus
Dosagem da glicemia
Doença cardiovascular
Doentes (Sim)
Não doentes (Não)
Total
Diabético (Sim)
8 (A)
1.992 (B)
2.000 (A + B)
Não diabético
18 (C)
17.982 (D)
18.000 (C +D)
Total
26 (A + C)
19.974 (B + D)
20.000
(A +B +C +D)
Fonte: a autora.
A medida de associação mais indicada é a
Odds ratio
(OR), multiplicação dos pares que concordam (AxD) dividido
pelo resultado da multiplicação dos discordantes (BxC), assim:
8 x 17.982/ 18x1992= 4,01. Isso significa que os pacientes
expostos a diabetes
mellitus
têm uma chance quatro vezes maior de desenvolver a doença
cardiovascular em relação aos pacientes não expostos à
diabetes
mellitus
.
ESTUDO CASO-CONTROLE
Outro tipo de estudo retrospectivo e observacional é o de
caso-controle, em que se verificam fatores de risco e de
prognóstico.
É muito caro realizar estudos de coorte (próximo
tópico) ou
estudos transversais de amostras da população geral na
investigação de causalidade . Cada um desses estudos exigiria milhares de
sujeitos para a
identificação de fatores de risco associados a uma doença
rara, como o câncer de estômago (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; FRANCO; PASSOS,
2011; ROTHMAN, GREENLAND; LASH, 2011).
VOCÊ SABE
RESPONDER?
O
estudo de caso-controle
é utilizado para a pesquisa de fatores de risco associados a
essas doenças, raras (malformações, cânceres raros, e
outras) ou de longo período de latência. Por que caso e
controle? Primeiro, seleciona-se o grupo de pacientes com a
doença rara, mas também é necessário montar um
grupo-controle, sem a doença, de referência, para que a
prevalência do fator de risco nos sujeitos com a doença
(casos) possa ser comparada com a prevalência em sujeitos
sem a doença (controles) (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Pensando Juntos
Este estudo é utilizado normalmente para doenças de baixa
incidência (raras) ou com período de latência longo, como as
malformações congênitas e a infecção pelo HIV (AIDS),
respectivamente. O estudo de caso-controle também podem ser
indicado para a pesquisa de surtos epidêmicos, ou diante de
agravos desconhecidos. De forma rápida e pouco dispendiosa,
permite a investigação de fatores de risco associados a esses
problemas. Compara-se um grupo de indivíduos acometidos pela
doença em estudo, os CASOS, com outro grupo de indivíduos que
devem ser em tudo semelhantes aos casos (
pareados
), diferindo somente por
não
apresentarem a referida doença, os CONTROLES (PEREIRA, 2003;
GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011;
ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Devemos sempre selecionar de forma criteriosa os casos.
Para isso, é preciso que se tenha uma definição precisa do
caso, utilizando-se critérios de diagnósticos (exames
clínicos, moleculares, laboratoriais que confirmem o
caso), e que se caracterize o estágio da doença, suas
variantes ou tipos clínicos. Devemos também definir a
fonte dos casos (pacientes atendidos em um ou mais
serviços médicos ou doentes encontrados na população
geral?).
Os controles devem também passar por testes de diagnóstico
que excluam a doença nesses indivíduos. Lembre-se que os
controles não podem ter a doença investigada (PEREIRA,
2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Zoom no Conhecimento
O estudo caso-controle pode ser classificado, quanto à seleção
dos grupos, em pareados (semelhantes quanto a idade, sexo,
raça, condição socioeconômica, etc.) e não pareados. O
pareamento dos grupos é para se excluírem variáveis de
confundimento e preservarem fatores realmente relevantes que
possam ser atribuídos à doença. Por exemplo: se o grupo de
casos de malformação congênita for constituído apenas de mães
em idade fértil, o grupo controle deverá ser formado também de
mulheres com a mesma faixa etária, por exemplo, evitando-se o
confundimento com a idade. Podemos parear quanto aos aspectos
sócio-demográficos, histórico familiar e outros. Estudos
não-pareados não são recomendados (PEREIRA, 2003; GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN;
GREENLAND; LASH; 2011).
Outro exemplo: pretende-se estudar o infarto agudo do
miocárdio em pacientes internados em uma unidade hospitalar, e
o grupo de casos foi apenas constituído de homens e idosos.
Devemos selecionar um grupo controle também só de homens e
idosos, que não foram internados por alguma doença
cardiovascular, que não possuem histórico de doença
cardiovascular. Seria uma má escolha compará-los com pacientes
que possuem os mesmos riscos cardíacos, pois seria impossível
encontrar um fator associado à doença.
O estudo caso-controle pode ser classificado também quanto à
origem dos dados: utilizam-se os dados existentes de
prevalência (retrospectivo) ou de incidência (casos novos,
prospectivo). No estudo retrospectivo, o mais realizado,
primeiramente selecionam-se os casos (pessoas doentes) e os
controles (não doentes). Posteriormente, investigam-se as
variáveis às quais os indivíduos foram expostos. Assim,
coletam-se medidas atribuídas ao momento da pesquisa e ao
passado (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Os dados também podem ser coletados diretamente com o paciente
a partir de questionário, ou de fichas, prontuários médicos e
outros. Estes estudos apresentam muitas vantagens: baixo custo
relativo, curta duração, alto poder analítico (muitos fatores
de risco podem ser pesquisados), serem adequados para estudar
doenças raras, medirem o prognóstico de uma doença rara.
Os estudos transversais e de caso-controle não requerem uma
infra-estrutura complexa para a realização da pesquisa, uma
vez que não acompanham e não intervém na saúde do indivíduo,
são apenas observacionais, requerendo apenas um espaço para a
computação dos dados e o arquivamento dos questionários e dos
termos de consentimento. Muitas vezes, requerem apenas uma
sala com materiais de consumo, como um computador, papel
sulfite, tinta de impressora, e acesso a internet (PEREIRA,
2003; GORDIS, 2009).
Figura 5 – Delineamento de um estudo do tipo caso-controle.
Fonte: a autora.
Os estudos de caso-controle não podem medir as reais taxas
de incidência ou prevalência de uma doença
No entanto, esse tipo de estudo pode apresentar alguns
problemas: é incapaz de avaliar o risco, apenas verifica
associação, e é vulnerável a inúmeros vieses (seleção,
memória, etc). Os estudos de caso-controle não podem medir
as reais taxas de incidência ou prevalência de uma doença,
pois a proporção de sujeitos com a doença no estudo é
determinada pelo número de casos e controles que o
investigador decide amostrar, e não pelas suas proporções
na população. Assim, as medidas de risco e razão de
prevalência não são recomendadas (GORDIS, 2009; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN, GREENLAND; LASH, 2011;
HULLEY et al., 2015).
O que os estudos caso-controle podem fornecer são informações
descritivas sobre as características dos casos e, o que é mais
importante, uma estimativa da magnitude da associação entre
cada variável preditora e a presença e ausência da doença.
Essas estimativas são expressas na forma de razão de chances (
Odds
), que se aproxima do risco relativo e da razão de prevalência
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Portanto, a forma de análise da associação entre um fator
preditor e um desfecho é a utilização da medida de
Odds ratio
. E como medida de significância estatística podemos utilizar
o teste do Qui-Quadrado ou Mantel-Haenszel. Os testes
estatísticos devem ser selecionados de acordo com a
distribuição de normalidade da amostra, e este conteúdo você
encontrará na disciplina de estatística ou Bioestatística
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011; ROTHMAN, GREENLAND E LASH, 2011; HULLEY
et al
., 2015).
Aprofundando
Agora, vamos aplicar um exemplo hipotético de estudo
caso-controle para que você compreenda melhor a sua
utilização:
Um total de 30 crianças recém-nascidas, portadoras de
anomalias congênitas do coração, foram examinadas e suas mães
interrogadas com respeito a exposições potencialmente
teratogênicas: 10 relataram que tinham tido rubéola no
primeiro trimestre de gestação. Entre as crianças sadias,
nascidas sem evidências de malformações congênitas
(controles), foram selecionadas 300 para o grupo-controle; 20
mães afirmaram que tinham tido rubéola no primeiro trimestre
da gravidez.
Tabela 2. Exemplo 2, estudo de caso-controle sobre a
malformação cardíaca em recém-nascidos e a exposição materna
ao vírus da rubéola
Rubéola (gestante)
Malformação cardíaca
(recém-nascidos)
Doentes (Sim)
Não doentes (Não)
Total
Sim
10 (A)
20 (B)
30 (A + B)
Não
20 (C)
280 (D)
300 (C +D)
Total
30 (A + C)
300 (B + D)
330
(A +B +C +D)
Fonte: a autora.
Neste estudo, a estimativa da prevalência de malformação
congênita foi de 9% da população de recém-nascidos. A pergunta
é: existe associação da malformação com a infecção por rubéola
durante o primeiro trimestre gestacional? Para isso,
calculamos a
Odds ratio
= OR= 280X10 (AxD)/20X20 (BxC) = 2800/400 = 7. Assim, a
probabilidade de que o feto exposto ao vírus da rubéola
durante o primeiro trimestre de gestação tenha malformação é
sete vezes maior que os fetos não expostos.
Após a realização dos estudos descritivos, os estudos
transversais e de caso-controle são os primeiros estudos
analíticos a serem realizados para levantar hipóteses de
fatores preditores das doenças ou outros agravos. Caso não
tenha sido encontrada uma associação, não se perdem tempo e
recursos na realização de estudos de alto custo e
tempediosos, como os estudos de coorte e ensaio clínico. No
entanto,
se verificada a associação, é preciso investigar a real
causalidade do fator preditor. Para isso, são indicados os
estudos prospectivos: observacionais, como os de coorte,
ou experimentais, como os do tipo ensaio clínico
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO,
1999).
ESTUDO DE COORTE
Os
estudos de coorte
são do tipo observacional e prospectivo, ou seja,
não há intervenção experimental na população
selecionada,
apenas observam-se os fatores preditores de desfecho . É prospectivo pois
seleciona-se uma população e
acompanha-se o aparecimento dos desfechos e dos fatores
preditores (exposição) durante um certo período, geralmente
por um ano ou mais. Logo, o aparecimento de um desfecho é algo
novo, e trabalha-se com a medida de incidência.
Pensando Juntos
O objetivo geral deste estudo é identificar a etiologia, os
fatores de risco e o prognóstico de doenças, óbitos e agravos.
Por isso os estudos de coorte são os únicos estudos
observacionais capazes de abordar hipóteses etiológicas,
produzindo medidas de incidência e medidas diretas de risco
(risco relativo) (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011;
BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Os estudos de coorte também são chamados de prospectivos,
de seguimento ou
follow-up
O termo coorte significa unidades de combate das legiões
romanas, unificadas pelo uniforme padronizado, e descreve um
grupo de pessoas que têm algo em comum ao serem reunidas e
que são observadas por um período de tempo para ver o que
acontece com elas (PEREIRA, 2003). Os estudos de coorte
também são chamados de prospectivos, de seguimento ou
follow-up
(seguimento em inglês), pois acompanham um grupo de pessoas
durante um tempo, investigando os fatores de risco/proteção
e os desfechos incidentes durante e ao final do estudo
(GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Veja o exemplo da Figura 6. Inicialmente, o pesquisador deve
selecionar a população a ser estudada; por exemplo: na cidade
Y foram selecionados aleatoriamente 100.000 habitantes, que
foram acompanhados por um ano. Todos foram submetidos a exames
laboratoriais e clínicos para a detecção de doença cardíaca
(desfecho), e observou-se também o consumo de alimentos e de
bebidas, atividade física regular e outros preditores da
doença (fatores de risco ou proteção; exposição). Ao final de
um ano, ocorreram 10 casos novos de doença cardíaca na cidade
Y, ou a incidência da doença foi de 10 casos a cada 100.000
habitantes.
Figura 6 – Delineamento de um estudo de corte.
Fonte: a autora.
Neste outro exemplo (Figura 7), o pesquisador pode dividir a
população a ser estudada em dois grupos, desde o início da
pesquisa, em indivíduos que são expostos a fatores de risco e
os que não sofrem exposição a esse determinado fator. Ambos os
grupos são acompanhados por um período (um ano ou mais), e
observa-se o aparecimento de doenças em cada grupo (GORDIS,
2009).
Figura 7 – Delineamento de um estudo de coorte utilizando dois
subgrupos
Fonte: a autora.
As vantagens dos estudos de coorte é que permitem o cálculo
direto das taxas de incidência (prospectivo) e o do risco
relativo (RR); podem ser bem planejados; evidenciam
associações de um fator de risco com uma ou mais doenças, ou
outro desfecho; há uma menor probabilidade de conclusões
falsas ou inexatas. Isto é devido ao acompanhamento presencial
do pesquisador e à observação direta dos fatores preditores e
desfechos, assim como à facilidade de análise dos resultados
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Zoom no Conhecimento
Diferentemente dos estudos observacionais, a coorte é
prospectiva e, para acompanhar o paciente ao longo do tempo,
requer uma infraestrutura adequada para o atendimento dos
indivíduos, a realização de exames e outros procedimentos; e
recursos humanos que prestem serviços durante a pesquisa. Por
isso seu custo é elevado. Para se obter bons resultados, o
ideal é acompanhar a população a ser estudada por um período
de um ano ou mais, por isso são de longa duração e
dispendioso. Encontramos na literatura estudos de 20 a 30 anos
de seguimento. No decorrer da pesquisa, podem ocorrer
modificações na composição do grupo selecionado, em
decorrência de perdas por diferentes motivos (óbito, migração,
e outros). Pode-se ainda haver a dificuldade em manter a
uniformidade do trabalho (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Nos estudos que acompanham subgrupos, o indivíduo que estava
alocado no grupo não exposto pode sofrer a exposição ao fator
de risco (por vontade própria, ou acidentalmente), uma vez que
essa intervenção não pode ser feita pelo pesquisador. O ideal
é que este indivíduo seja excluído da pesquisa, e não alocado
no outro grupo, o que poderia levar a erros de seleção e
outros problemas metodológicos (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
No final da pesquisa, podemos observar mais de um desfecho,
como a ocorrência da doença e de agravos. Nestes casos,
utilizamos a medida de incidência para verificar a frequência
e a distribuição dos desfechos encontrados. As formas de
análise são o risco relativo e o risco atribuível (RA, RAP%).
Também utilizamos a estatística para validar a significância
do risco (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Tomemos o exemplo hipotético: uma investigação realizada em um
banco de sangue de um hospital chegou aos seguintes
resultados: entre 2 mil pessoas que receberam transfusão
sanguínea, acompanhadas durante um ano, 200 contraíram
hepatite. No grupo controle, de 5 mil pessoas que não
receberam transfusão, acompanhadas igualmente durante período
idêntico, apenas cinco contraíram a doença. Primeiro, montamos
a tabela de contingência (2x2):
Tabela 3 – Exemplo 4, estudo de coorte sobre a hepatite e a
exposição a transfusão sanguínea
Transfusão
Hepatite
Doentes (Sim)
Não doentes (Não)
Total
Sim
200 (A)
1.800 (B)
2.000 (A + B)
Não
5 (C)
4.995 (D)
5.000 (C +D)
Total
205 (A + C)
6.795 (B + D)
7.000
(A +B +C +D)
Fonte: a autora.
Aprofundando
Por se tratar de um estudo de coorte prospectiva, medem-se a
incidência e o risco. O RR é dado pela fórmula
[(A/A+B)/(C/C+D)] (incidência de hepatite no grupo exposto a
transfusão, dividido pela incidência da doença no não
exposto). Logo, a incidência de hepatite foi de 10% (200/2000=
0,10 x 100%), ou de 100 casos a cada mil pessoas. O risco de
se ter hepatite sem receber transfusão de sangue foi de 0,1%
ou 1 caso a cada mil pessoas (5/5000= 0,001). Qual é o risco
de se ter hepatite quando exposto à transfusão de sangue em
relação aos não expostos? Calculamos o RR (0,10/0,001) de 100,
ou seja, a o risco de ter hepatite é 100 vezes maior nos
indivíduos expostos à transfusão em relação ao outro grupo.
Nos estudos de coorte, também encontramos fatores de proteção
associados aos desfechos. Nestes casos, o RR será menor que um
e pode ser interpretado como explicado anteriormente. Um RR
igual a 1 mostra que não há risco de adoecer quando exposto a
um fator de risco, não há diferença entre ser exposto ou não.
Outro estudo que utiliza o RR como medida de análise da
exposição e um evento em saúde é o experimental do tipo ensaio
clínico.
ENSAIO CLÍNICO/ESTUDO EXPERIMENTAL (HUMANOS E NÃO HUMANOS)
Os
estudos experimentais
realizam intervenção na saúde do indivíduo participante da
pesquisa. Eles são sempre prospectivos, e não existe estudo
experimental retrospectivo.
Os indivíduos são alocados aleatoriamente para
grupos,
chamados de estudo (ou experimental, teste) e controle (ou
testemunha, de referência), de modo a serem submetidos ou
não a uma vacina, um medicamento, um diagnóstico , um outro produto ou
procedimento, para terem seus efeitos
avaliados em condições controladas de observação (PEREIRA,
2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Os estudos experimentais em seres humanos são considerados o
padrão-ouro dos estudos epidemiológicos, ou seja, o melhor
tipo de estudo, aquele que é uma referência em afirmar causa e
efeito. Além dos estudos experimentais em humanos, podemos
realizar estudos sobre microrganismos, células e moléculas (
in vitro
) e em animais (
in vivo
). Os estudos com drogas, vacinas e outros testes
in vivo
e os ensaios clínicos devem obedecer às regras e leis
internacionais e nacionais das instituições de Ética em
Pesquisa com Seres Vivos (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
Os estudos experimentais realizados em humanos são chamados de
ensaios clínicos, e podem ser randomizados ou não randômicos.
A randomização significa a alocação aleatória de uma pessoa em
um dos grupos, evitando seleção de conveniência ou qualquer
outro viés subjetivo dos investigadores (GORDIS, 2009). Os
ensaios clínicos randomizados são considerados ideais para
avaliar a efetividade de uma intervenção ou outro desfecho
esperado. Neste estudo, temos um grupo de indivíduos que
receberão a intervenção, e outro que não. O grupo controle
pode receber um placebo, por exemplo, mas não a intervenção
teste (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Os estudos do tipo ensaio clínico randomizados são
considerados o “padrão-ouro” dos estudos epidemiológicos, ou
seja, os de maior credibilidade e confiabilidade no campo
científico. Este estudo é o que possui maior evidência em
avaliar as políticas públicas e clínicas em saúde (GORDIS,
2009). Você ainda pode ler ou ouvir falar que o ensaio
clínico foi cego ou duplo-cego. O estudo cego significa que
o grupo teste e o controle não sabem se receberam a
intervenção tes- te ou o placebo, e o duplo-cego é quando
nem os grupos e nem o pesquisador sabem o que está sendo
testado em um dado momento. Somente no final da pesquisa
isso é revelado e, nesse caso, é preciso que um membro da
pesquisa, não o pesquisador principal, tenha conhecimento de
qual grupo recebeu a intervenção (PEREIRA, 2003; GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROTHMAN; GREENLAND; LASH,
2011).
Zoom no Conhecimento
Para realizar um ensaio clínico, é preciso consultar se as
condições experimentais que se pretende testar são viáveis ou
se já foram realizadas. Isso evitará gastos desnecessários e
plágios. É possível conseguir referências de estudos do tipo
ensaio clínico por meio de bases de dados internacionais como
o Medline/Pubmed, EMBASE, Cochrane, e nas bases regionais
LILACS e Scielo. As bases de dados fornecem descritores que se
referem a esse tipo de estudo. Podemos utilizar o termo
“randomized controlled trial” do MeSH (PubMed). Buscas com
maior sensibilidade podem ser obtidas usando filtros de busca,
especialmente quando se buscam revisões sistemáticas da
literatura. Outros termos que podem ser pesquisados são:
controlled clinical trial, randomized (trial), randomly,
trial. Lembre-se que nas bases internacionais você encontra
artigos científicos em diferentes idiomas, e que pode utilizar
esse filtro para selecionar estudos em português, inglês,
espanhol ou outros idiomas. Fonte: a autora.
A pergunta do estudo experimental é: quais são os efeitos
da intervenção?
Os resultados da intervenção podem ser analisados pela
comparação das taxas de incidência dos desfechos nos grupos
de estudo (teste) e controle. Por exemplo: taxas de doença,
óbitos, reações colaterais, elevação do nível de anticorpos,
ou outro desfecho clínico e laboratorial. É particularmente
indicado para a avaliação de eficácia de vacinas,
medicamentos, procedimentos, diagnósticos laboratoriais e
ou- tros (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Delineamento de um ensaio clínico randomizado
Os ensaios clínicos randomizados possuem muitas vantagens,
como serem constituídos de grupos homogêneos, evitando
variáveis de confusão. Por exemplo: quanto ao sexo, a alocação
aleatória permitirá a distribuição homogênea de homens e
mulheres nos grupos, com mínimas chances de haver um grupo
formado unicamente de mulheres e o outro de homens.
Isso poderia prejudicar os resultados da pesquisa,
devido
ao aspecto hormonal ou a outra característica que o sexo
influencie. É fácil selecionar os controles, pois não
receber uma intervenção e participar da pesquisa é
interessante e convidativo . A decisão da intervenção é do pesquisador e
permite a
testagem de inúmeros fatores. Esses estudos possuem alta
credibilidade como evidências científicas. Os resultados são
medidos em incidência e a interpretação é simples. Assim como
os estudos de coorte, os experimentais podem ter muitos
desfechos clínicos, os quais podem ser investigados
simultaneamente.
É o estudo que afirma causalidade dos problemas de
saúde
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Embora seja o melhor tipo de estudo, encontramos também alguns
problemas: algumas situações não podem ser investigadas. Por
exemplo: determinar que pessoas fumem e outras não fumem.
Questões éticas podem inviabilizar os estudos. Por exemplo: na
testagem de um novo medicamento de HIV, selecionar um grupo
que não receberá terapia antiretroviral; alguns participantes
deixarem de receber tratamentos benéficos ou passarem a
receber os maléficos; tais estudos requerem estrutura
administrativa e técnica de porte razoável, estável, bem
preparada e estimulada; possuem custo elevado, pois necessitam
de recursos humanos e financeiros; são de longa duração, como
os testes de vacinas, que podem requisitar de cinco a dez anos
para se obter uma conclusão; pode haver conflito de interesse
entre o pesquisador e a empresa que fornece a intervenção (o
medicamento, a vacina, ou outro) (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Figura 8 – Delineamento de um estudo do tipo ensaio clínico
randomizado.
Fonte: a autora.
Alguns países permitem que os participantes da pesquisa
recebam algum tipo de pagamento (até em dinheiro), mas no
Brasil isso não é permitido. Em nosso país, as pesquisas devem
subsidiar todos os gastos do paciente em relação à intervenção
e garantir um seguro saúde. As substâncias e procedimentos
devem ser altamente seguros para experimentação em seres
humanos, com protocolos de experimentação aprovados pelos
Comitês em Pesquisa com Seres Humanos. Mesmo com todos os
cuidados, ainda podem ocorrer problemas durante a pesquisa,
como efeitos indesejados, desde uma toxicidade até o óbito do
indivíduo submetido à experimentação. Isto tem gerado muitas
indenizações às instituições. Além disso, existe uma
burocracia para se obter um parecer favorável para a
realização da pesquisa, que pode demorar até anos para ser
obtido (ZUCHETTI; MORRONE, 2012). É por isso tudo que muitas
pesquisas não continuam ou nem chegam a ser propostas, tendo
apenas resultados dos estudos transversais ou de
caso-controle.
Os estudos clínicos são conduzidos em fases distintas
(pré-clínica e clínica), e cada uma visa a responder questões
específicas. A fase pré-clínica é aquela realizada antes de
iniciar as testagens em seres humanos. É aquela em que os
cientistas levam anos testando as substâncias
in vitro
(nos laboratórios, com células e outros organismos) e em
animais (
in vivo
). A fase clínica é a fase de testes em seres humanos, e é
composta por quatro fases sucessivas (I, II, III e IV). A fase
I, verifica a segurança do tratamento; a Fase II verifica a
eficácia do tratamento; na Fase III, compara-se o novo
tratamento com o existente (de referência, ou placebo); e a
Fase IV é realizada para se confirmar se os resultados obtidos
na fase III são aplicáveis em uma grande parte da população.
Somente depois da conclusão de todas as fases, o medicamento
ou outro insumo poderá ser liberado para comercialização e
disponibilizado para uso. Na leitura complementar deste
conteúdo, você obterá mais informações de como conduzir um
estudo clínico (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ROTHMAN;
GREENLAND; LASH, 2011; HULLEY
et al
., 2015).
Aprofundando
Para analisar os resultados dos ensaios clínicos, podemos
utilizar o cálculo de risco relativo (RR) (GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; PEREIRA, 2003) = incidência em vacinados ou
submetidos à experimentação (IV), dividido pela incidência em
não vacinados/não submetidos à experimentação (INV).
Podemos ainda calcular a eficácia da intervenção comparando-a
com o placebo ou o não vacinado. Seria a aplicação do risco
atribuída ao grupo que não recebeu a intervenção de
desenvolver o problema em saúde em relação aos que receberam.
Mostra a redução da doença pelo uso da intervenção (GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; PEREIRA, 2003) =
Eficácia da vacina: [(INV – IV)/INV] x 100, ou 1- RR.
Segue um exemplo hipotético de ensaio clínico:
No intuito de verificar o efeito protetor de uma vacina contra
a rubéola, 2.000 voluntários que estavam em igual risco de
sofrer a doença concordaram em participar de uma investigação
e foram separados aleatoriamente, sendo 50% para cada grupo
com características semelhantes. No grupo dos vacinados, a
doença ocorreu em 20 indivíduos, enquanto que no grupo dos não
vacinados (controle) acometeu 100 pessoas. Suponha que,
passados 12 meses de observação, constatou-se que a incidência
da doença foi bem menor nos indivíduos vacinados do que nos
não vacinados. Veja a distribuição dos casos:
Tabela 5 – Exemplo 5, ensaio clínico sobre uma vacina contra a
rubéola
Vacina
Rubéola
Doentes (Sim)
Não doentes (Não)
Total
Sim
20 (A)
880 (B)
1.000 (A + B)
Não
100(C)
900 (D)
1.000 (C +D)
Total
120 (A + C)
1.780 (B + D)
2.000
(A +B +C +D)
Fonte: a autora.
A incidência da doença no grupo vacinado foi de 20 casos a
cada mil pessoas (0,02 ou 2%), e no grupo não vacinado foi de
100 casos a cada mil pessoas (0,10 ou 10%). O RR foi de 0,2
(incidência no exposto de 0,02, dividido pela incidência nos
não expostos, de 0,1). Isto significa que a vacina protegeu
fortemente o grupo exposto. Quando RR é menor que um, indica
proteção. A eficácia da vacina foi de 80% [(0,1 -0,02)/0,1)
x100%].Outra forma de interpretar é: o risco de desenvolver a
rubéola é 80% menor nos vacinados em relação aos que não
receberam a vacina.
Novos desafios
Chegamos ao final deste conteúdo! Espero que você tenha
compreendido a importância e a aplicação dos estudos
epidemiológicos para a compreensão dos problemas de saúde e
seus determinantes. Aqui, você aprendeu os conceitos e as
aplicações dos principais tipos de estudos epidemiológicos: os
observacionais e os experimentais. Dentre os estudos
observacionais retrospectivos, que utilizam a medida de
prevalência, os mais utilizados são os descritivos,
transversais e de caso-controle, e o observacional de coorte
prospectivo (medida de incidência). Por último, abordamos o
padrão-ouro da epidemiologia, o estudo experimental do tipo
ensaio clínico.
O estudo descritivo descreve a situação de saúde de uma
população de acordo com tempo, lugar e pessoa, e é o primeiro
estudo a ser realizado, pois inicialmente precisamos descrever
o problema de saúde e, depois, é necessário verificar os
fatores envolvidos. Os demais estudos abordados são utilizados
para verificar fatores de risco associados aos problemas de
saúde.
A partir dos estudos transversais e de caso-controle, podemos
sugerir hipóteses de fatores de risco relacionados às doenças
ou outros desfechos. Esses estudos não afirmam causalidade,
pois medem a estimativa do risco da exposição (
Odds ratio
ou razão de prevalência), e não o verdadeiro risco (risco
relativo, incidência). Os estudos que afirmam causalidade são
o de coorte e o ensaio clínico. O estudo de coorte acompanha
um grupo de pessoas e observa a incidência de desfechos e seus
determinantes, sem realizar qualquer pesquisa de intervenção
na saúde do indivíduo. Os estudos do tipo ensaio clínico são
aqueles que avaliam uma intervenção (novo medicamento, vacina
ou outro) em um grupo teste e outro que não receberá a
intervenção (controle ou placebo).
Como você pode ver, realizar um estudo epidemiológico ainda
requer muito planejamento, leitura de outros livros, de
estudos publicados na literatura, leis e normativas referentes
aos estudos em animais e em seres humanos. Espero que tenha
tirado máximo proveito desse conteúdo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, N. de; BARRETO, M. L. Epidemiologia &
saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2011, p. 699.
BENSEÑOR, I. M.; LOTUFO, P. A. Epidemiologia: abordagem
prática.São Paulo: Sarvier, 2005, p. 303.
BRASIL. Centro Nacional de Epidemiologia.Informe
Epidemiológico do SUS. Diagrama de controle da
distribuição mensal dos casos notificados de malária de
1999 no Estado do Pará (dados de 1992 a 1998). Brasília:
Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, 2002.
FRANCO, L. J.; PASSOS, A. D. C. Fundamentos de
Epidemiologia. 2. ed. Barueri: Manole, 2011, p. 424.
GORDIS, L. Epidemiologia. 4. ed. Rio de Janeiro:
Revinter, 2009, p. 392.
HULLEY, S. B.; CUMMINGS, S. R.; BROWNER, W. S.; GRADY,
D. G.; NEWMAN, T. B. Delineando a pesquisa clínica. 4.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2015, p. 386.
MEDRONHO, R. de A.; BLOCH, K. V.; LUIZ, R. R.; WERNECK,
G. L. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2009, p.
685.
OLIVEIRA, M. C. P.; PARENTE, R. C. Entendendo Ensaios
Clínicos Randomizados – Understanding Randomized
Controlled Trials. Bras. J. Video-Sur, 2010, v. 3, n. 4:
176-180.
PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. 6. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 596.
PINHEIRO, A. S. Malária: situação no Pará, no período de
1994 a 1999. Informativo Epidemiológico do SUS. Pará,
1(2):7-8, 2000.
ROTHMAN, K. J.; GREENLAND, S.; LASH, T. L. Epidemiologia
moderna. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 887.
ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. de. Epidemiologia
& Saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999, p. 600.
ZUCCHETTI, C.; MORRONE, F. B. Perfil da pesquisa clínica
no Brasil. Rev HCPA, v. 32, n. 3, p. 340- 347, 2012.