Seja bem-vindo(a) ao tema Principais Desenhos De Estudos Epidemiológicos! Neste
conteúdo vamos conceituar o estudo descritivo, abordando as funções das
variáveis ligadas ao tempo, ao espaço e à pessoa, possibilitando o detalhamento
do perfil epidemiológico. Vamos descrever também os tipos de estudos analíticos,
observacionais e intervencionais. Além disso, conceituar e compreender o estudo
do tipo transversal os estudos do tipo caso-controle; do coorte e por fim, do
ensaio clínico. Vamos lá?
Ao final deste tema de aprendizagem você será capaz de:
Conceituar o estudo descritivo, as funções das variáveis ligadas ao tempo,
ao espaço e à pessoa.
Descrever os tipos de estudos analíticos, observacionais e intervencionais.
Conceituar e compreender o estudo do tipo transversal, os estudos do tipo
caso-controle; do coorte e do ensaio clínico.
Inicie sua jornada
Estudante, lembra-se que a Epidemiologia é baseada em estudos observacionais
(sem intervenção) ou experimentais (intervencionistas) realizados em populações?
Esses estudos verificam a frequência de fenômenos do processo saúde-doença (como
doenças, agravos e óbitos, ou cura e recuperação, etc.), e identificam fatores
de risco ou de proteção relacionados a esses eventos, que ocorrem nas
populações. A partir dos estudos epidemiológicos, podemos conhecer a situação de
saúde de uma população e identificar grupos de risco, verificar a ocorrência e
causas de doenças e óbitos, e ainda determinar a eficácia de medicamentos e
vacinas.
Para isso, é importantíssimo realizar um estudo bem planejado, com escolha
criteriosa das variáveis investigadas, e utilizar uma fonte de dados de alta
confiabilidade. Com esses cuidados, os resultados dos estudos epidemiológicos
podem responder muitas perguntas. Existem muitos tipos de estudos
epidemiológicos: aqueles que descrevem a frequência de eventos nas populações
(descritivos) e os que verificam a associação de fatores causais com os eventos
(analíticos). Descrevemos e exemplificamos os principais estudos
epidemiológicos: descritivos e analíticos. Os estudos analíticos observacionais
abordados aqui são: o transversal (tópico II), o caso-controle e o coorte; e o
do tipo experimental de ensaio clínico (em humanos e não humanos).
Todos os estudos devem ser concisos e diretos, com metodologia e objetivos bem
delineados. Isso contribuirá para a obtenção de resultados que respondem às questões de
saúde. Em cada tópico nós abordaremos um tipo de estudo epidemiológico, e você conhecerá
suas funções e interpretações, e compreenderá a aplicação prática destes estudos para o
conhecimento da saúde da população e identificação de fatores associados aos desfechos
em saúde.
Desenvolva seu potencial
EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA
Iniciaremos com o tema
Epidemiologia Descritiva
, pois os estudos descritivos são aqueles que verificam a distribuição dos eventos nas
populações, como a ocorrência de doenças (morbidade), óbitos (mortalidade), e outros
agravos.
São os primeiros estudos a serem realizados, pois
identificam os problemas de
saúde, permitindo o planejamento e aplicação das medidas de prevenção, proteção e
promoção da saúde
. Primeiramente,
é preciso conhecer a frequência e a distribuição de
uma doença ou outros problema em um determinado local e período
. Posteriormente,
questionam-se as causas dessa ocorrência naquela
população
(GORDIS, 2009; MEDRONHO,
2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011). Os estudos que permitem
inferir causalidade de doenças são os analíticos, descritos nos próximos tópicos deste
conteúdo.
Os estudos epidemiológicos podem ser classificados como descritivos e
analíticos. A Epidemiologia Descritiva estuda a distribuição dos eventos quanto
às pessoas, o lugar e o tempo. A epidemiologia analítica estuda a associação da
exposição e o efeito específico (MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2011). Exemplos:
qual é a relação entre o hábito de fumar e o câncer de pulmão? Ter múltiplos
parceiros e partos aumenta a probabilidade ou o risco de câncer de colo uterino?
Tradicionalmente, a Epidemiologia Descritiva é definida como o estudo da distribuição e
da frequência das doenças e dos agravos da saúde coletiva, em função de variáveis
ligadas ao tempo (dia, mês, ano), ao lugar (ambientais e populacionais) e às pessoas
(características individuais e populacionais) possibilitando à promoção da saúde
(GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2011). Por exemplo: podemos
levantar o número de casos de doenças cardiovasculares no ano de 2017 (tempo) em
mulheres (pessoa) na cidade de São Paulo (lugar).
A função dos estudos descritivos é esclarecer, para cada tipo de doença, qual tipo de
variação obedece. Assim, podemos elaborar as seguintes questões (GORDIS, 2009; MEDRONHO,
2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2011):
Como definir o evento e especificar a sua frequência em relação às características
das pessoas atingidas, dos lugares e do tempo?
Quem ou quais pessoas foram acometidas pela doença? Podemos investigar o sexo, a
idade, escolaridade, estado civil, etc.
Foi atingido um grupo específico de pessoas, ou uma população?
Onde ocorreram os casos? Em que local/lugar as pessoas foram atingidas? Trata-se de
um bairro, estado, país, restaurante?
Quando ou em que período/tempo as pessoas foram atingidas? Ano, mês, semana
epidemiológica.
Por quê a doença ocorreu?
A utilização de dados populacionais ou individuais é a ferramenta epidemiológica para
responder a todas essas perguntas. As fontes de dados podem ser prontuários médicos,
declarações de óbito, laudos laboratoriais, inquéritos populacionais (entrevistas,
questionários e outros), etc. A obtenção dos dados pode ser contínua (como a notificação
de doenças), periódica (como no caso do IBGE), ou ainda ocasional (como em um estudo
acadêmico) (GORDIS, 2009).
Na variável tempo temos os estudos que investigam a ocorrência da doença em
um curto prazo de tempo (séries temporais) e os que observam a frequência da
doença ao longo de muitos anos (tendência geral), possibilitando verificar a
diminuição, o aumento ou a manutenção do número de casos. Podemos ainda ter
as distribuições cronológicas da doença, como as variações cíclicas e
variações sazonais (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2011).
conjunto de observações ordenadas no tempo (mês, ano, semana, dia). Exemplo:
número mensal de nascimentos, de óbitos ou de casos de uma doença
notificável. A frequência da doença é estudada em um curto intervalo de
tempo.
é a modificação na frequência com a qual as doenças ocorrem num período
bastante longo de anos, independentemente de sua característica cíclica ou
irregular. Apresenta sempre uma tendência secular ao aumento, à diminuição
ou à constância. Exemplo: em mais de 20 anos de estudo, observamos que a
taxa de mortalidade materna reduziu em aproximadamente 70% (Figura 1).
Em relação à distribuição cronológica, temos a seguinte classificação:
um dado padrão de variação é repetido de intervalo a intervalo; de modo
recorrente, alternam-se valores máximos e mínimos. Ciclo semanal, mensal ou
anual. Por exemplo: o pico (elevação) do número de casos de leishmanioses
aumentam significativamente a cada cinco anos (Figura 2).
é a propriedade segundo a qual o fenômeno considerado é periódico e se
repete sempre na mesma estação do ano. Por exemplo: a gripe é sazonal, e
ocorre geralmente em estações chuvosas e frias.
Para que possamos verificar essas variações de acordo com o tempo, podemos
utilizar o Diagrama de Controle, que é um dispositivo gráfico
destinado ao acompanhamento, no tempo, semana a semana, mês a mês, da evolução
dos coeficientes de incidência. O objetivo do diagrama é estabelecer e
implementar medidas profiláticas que possam manter a doença sob controle. No
eixo das ordenadas (Y), deverão ser registradas as medidas de incidência, e no
eixo das abscissas (X), a variável relacionada ao tempo (PEREIRA, 2003; FRANCO;
PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Veja o gráfico abaixo:
Devemos distribuir o número de casos de acordo com o tempo. A partir de dados
obtidos anteriormente (registrados em bases de dados ou obtidos pelos mesmos
pesquisadores), podemos calcular a média (Ẋ) do número de casos ao longo dos
anos anteriores e aplicar um desvio-padrão fixo de 1,96 para mais e para menos,
e assim traçar um canal endêmico da doença (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Devemos distribuir o número de casos de acordo com o tempo. A partir de dados obtidos
anteriormente (registrados em bases de dados ou obtidos pelos mesmos pesquisadores),
podemos calcular a média (Ẋ) do número de casos ao longo dos anos anteriores e aplicar
um desvio-padrão fixo de 1,96 para mais e para menos, e assim traçar um canal endêmico
da doença (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
O termo endêmico se refere a qualquer doença espacialmente localizada, temporalmente
ilimitada, habitualmente presente entre os membros de uma população e cujo nível de
incidência se situe sistematicamente dentro dos limites da faixa endêmica referente
àquela população e época determinada. Podemos dizer, que uma doença é endêmica quando
ela a sua distribuição ocorre dentro do esperado, ou seja, dentro da normalidade. Ela
sempre é registrada e a ocorrência é uma constante (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011;
ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Figura 1 - Diagramação da incidência da doença (eixo das ordenadas, Y) de acordo com o
tempo (eixo das abcissas, X)
Fonte: a autora.
Pensando Juntos
A média dos casos deve utilizar dados mais próximos do período do estudo atual. Por
exemplo: para construir o diagrama de controle da distribuição dos casos
notificados de malária no Pará do ano de 1999, foi utilizada uma série histórica de
casos notificados de malária (de 1992 a 1998), que subsidiou a determinação dos limites
superior e inferior de casos esperados no diagrama de controle de 1999 (PINHEIRO, 2000).
Quando somamos o desvio-padrão na média do número de casos ocorridos
anteriormente à pesquisa, traçamos no gráfico, o limite superior do canal
endêmico, e quando subtraímos o desvio-padrão da média, obtemos o limite
inferior do canal endêmico. Se no período estudado, o número de casos permanecer
dentro do canal endêmico, podemos dizer que a frequência da doença é endêmica e
ocorreu conforme o esperado para aquele momento.
Quando o número de casos excede
o limite superior do canal endêmico, podemos dizer que houve uma epidemia da
doença naquele período. Quando o número de casos se situa abaixo do limite
inferior do canal endêmico, dizemos que a doença está eliminada ou erradicada.
(PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
X: Média; DP: desvio-padrão; Y: Frequência da doença
Figura 2 - Diagrama de controle
Fonte: a autora.
DIAGRAMA DE CONTROLE
Veja o diagrama de controle da malária no Pará no ano de 1999 (PINHEIRO, 2000):
Como podemos ver na Figura 3, o índice parasitário anual por habitante excedeu o
limite superior do canal endêmico a partir do mês de junho até dezembro de 1999,
baseando-se nos dados dos anos anteriores (1992 a 1998). Portanto, observamos um
pico epidêmico da doença a partir de junho de 1999.
Com a detecção de uma epidemia, no ano 2000, a partir do Plano de Intensificação
das Ações de Controle da Malária da Amazônia Legal (PIACM) foi recomendado como
estratégia o fortalecimento dos serviços de atenção básica no atendimento dos
paciente portadores de malária, notadamente no que se refere ao diagnóstico
precoce e ao tratamento correto dos casos, visando reduzir a morbi-mortalidade.
Figura 3 - Diagrama de controle da distribuição mensal dos casos notificados de malária
de 1999 no Estado do Pará (dados de 1992 a 1998).
Fonte: Informe Epidemiológico do SUS,
2002. Secretaria Estadual de Saúde do Pará (SESPA)/ Fundação Nacional de Saúde).
Obs.: Série histórica de casos notificados de malária, que subsidiou a determinação dos
limites superior e inferior de casos esperados no diagrama de controle de 1999.
Antes de afirmarmos que uma doença foi eliminada, erradicada, ou que ocorreu uma
endemicidade ou epidemia, devemos rever os conceitos dessas palavras para não cometer
erros graves na interpretação da ocorrência de uma doença. Veja a seguir alguns
conceitos de relevância (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO,
1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011):
é a extinção, por métodos artificiais, do agente etiológico de um agravo, ou
do vetor, sendo impossível sua reintrodução e totalmente desnecessária a
manutenção de quaisquer medidas de prevenção. Exemplo: a varíola foi
erradicada no mundo em 1980, e não se realiza mais nenhuma medida preventiva
da doença, nem a vacinação.
é atingida quando se obtêm a cessação da sua transmissão em extensa área
geográfica, persistindo, no entanto, o risco de sua reintrodução, seja por
falha na utilização dos instrumentos de vigilância ou controle, seja pela
modificação do comportamento do agente ou vetor. Exemplo: No Brasil, o
tétano neonatal foi eliminado no ano 2003 após a introdução maciça da
vacinação em mulheres em idade fértil. No entanto, a vacinação e as medidas
de higiene ainda são preservadas para que a doença se mantenha sob controle.
é toda a flutuação que excede significativamente os valores normais de
incidência da doença, tendo como referência uma série de casos ocorridos em
anos anteriores. Exemplo: o número de casos de dengue excedeu o esperado
para aquele mesmo período do ano, tornando-se uma epidemia. O surto
epidêmico é a ocorrência epidêmica restrita a um espaço extremamente
delimitado (colégio, quartel, edifício, bairro, restaurante). Exemplo: um
surto de salmonelose em uma escola da cidade X. Ocorreu um número de casos
maior que o esperado em um lugar restrito e limitado.
qualquer doença espacialmente localizada, temporalmente ilimitada,
habitualmente presente entre os membros de uma população e cujo nível de
incidência se situe sistematicamente dentro dos limites da faixa endêmica
referente àquela população e época determinada. Exemplo: na cidade de
Maringá, ocorrem anualmente 100 casos de leishmaniose.
é a ocorrência epidêmica caracterizada por uma larga distribuição espacial,
atingindo várias nações. É uma elevação não habitual da incidência de uma
dada patologia. Exemplo: a pandemia do H1N1 ocorrida no ano de 2009. Ou
ainda a pandemia da AIDS.
Em relação à variável lugar, podemos verificar a distribuição de um evento
de saúde de acordo com a área urbana ou rural. As frequências das doenças
variam muito conforme o lugar e o ambiente em que as pessoas vivem. Em áreas
urbanizadas, temos uma maior concentração populacional, logo, maior produção
e acúmulo de lixo, poluição e outros. Consequentemente, há um maior número
de doenças relacionadas a isso, como leptospirose, alergias, doenças
respiratórias e outras (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL;
ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Veja essa situação: o sudeste brasileiro está quase 90% urbanizado, enquanto que
o norte, 62%. A distribuição de doenças relacionadas à urbanização é maior no
sudeste que no norte. Verificamos também que a atenção primária na zona urbana é
bastante superior em relação a população rural. Tomemos como exemplos as doenças
sexualmente transmissíveis (DST): elas ocorrem com maior frequência nas áreas
urbanas devido ao maior contingente populacional, à promiscuidade e a outros
fatores. As doenças ocupacionais também ocorrem nas áreas urbanas, devido à
maior concentração de indústrias (PEREIRA, 2003; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Na área rural, observamos uma maior ocorrência de doenças relacionadas à
presença de vetores, ao tipo de habitação, ao saneamento ambiental e aos modos
de vida. Nas áreas rurais, encontramos uma maior prevalência de doenças como a
leishmanioses, a malária (Figura 6), a doença de Chagas e outras. Devemos também
levar em consideração a diminuta disponibilidade de assistência médica; essas
áreas possuem, muitas vezes, poucas e precárias oportunidades de trabalho;
caracterizam-se por baixos salários. Apesar de ligadas à terra, as pessoas
geralmente são mal alimentadas ou ainda desnutridas; existe uma baixa proporção
de domicílios com saneamento (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL;
ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
A variável lugar também pode se referir a bairros, municípios, estados, regiões
e países. Uma forma representativa da distribuição de casos de eventos em saúde
é o mapa (veja a figura 6). Os mapas são muitos utilizados para mostrar as áreas
de maior ocorrência da doença, assim como as áreas protegidas (GORDIS, 2009).
O conhecimento do lugar em que a doença ocorre permite aos gestores e à
população promover me- didas de controle das doenças e dos fatores de risco de
forma pontual e localizada. Por isso os estudos descritivos não podem cessar;
devem ser contínuos pois, após a tomada das medidas e as ações de saúde, podemos
realizar novamente o estudo para verificar a eficácia e os resultados de sua
aplicação sobre a frequência dos eventos relacionados à saúde (PEREIRA, 2003;
FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
Figura 4 - Mapa de risco da malária por município de infecção, Brasil, ano de 2011.
IPA: índice parasitária anual por mil habitantes
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico.
Situação epidemiológica da malária no Brasil, 2000 a 2011. v. 44, n. 1, 16 p., 2013.
VOCÊ SABE
RESPONDER?
Você já pensou que a sua saúde reflete o ambiente em que você vive?
Distribuição, segundo atributos da população (Pessoa)
A ocorrência de doenças também varia conforme as
características populacionais
e leva em consideração as particularidades de cada indivíduo. Podemos investigar a
ocorrência do evento de saúde de acordo com as características demográficas (idade,
sexo e grupo étnico), as variáveis sociais (como estado civil, renda, ocupação), as
variáveis que expressam o estilo de vida (hábito de fumar, consumo alimentar,
prática de exercício físico) (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL;
ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Ao estudar a variável idade, por exemplo, podemos ter muitos desfechos
interessantes em relação às doenças. Veremos que na infância ou nas crianças
em idade pré-escolar encontramos uma maior frequência de doenças como a
coqueluche, a varicela, as disenterias e a gripe, ou seja, doenças mais
relacionadas à higiene, ao contato direto pessoa-pessoa ou decorrentes de
objetos contaminados de uso comum, e aos aglomerados de pessoas. Em adultos
jovens observamos uma maior ocorrência de tuberculose, malária, febre
amarela, doenças profissionais, as quais estão mais relacionadas aos seus
hábitos, à exposição a diferentes ambientes. Indivíduos de meia idade ou
idosos estão mais sujeitos a doenças relacionadas à senescência
(envelhecimento), como as doenças cardiovasculares, queda, depressão,
artrite, pneumonias e etc (PEREIRA, 2003; FRANCO; PASSOS, 2011; ROUQUAYROL;
ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Em relação ao sexo, podemos discriminar as causas de óbitos de acordo com
essa variável, umas vezes que as pessoas são acometidas por doenças
específicas de sua natureza, como por exemplo: as mulheres desenvolvem
câncer de colo uterino, enquanto o homem, o câncer de próstata. Te- mos
inúmeras situações que podem estar ligadas ao sexo (PEREIRA, 2003; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
A ocupação do indivíduo pode afetar sua qualidade de vida e influenciar a
prevalência das doenças. Por exemplo: o saturnismo (intoxicação aguda ou
crônica por chumbo) está ligado com a tipografia (impressão de jornais,
indústrias automobilísticas, pintores); a brucelose (doença infecciosa
causada pela bactéria
Brucella
) a matadouros e frigoríficos; o sedentarismo pode estar ligado a
empresários e executivos que possuem maior taxa de doenças cardiovasculares
ou depressão (PEREIRA, 2003; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011).
O estado civil também pode influenciar a saúde, uma vez que, em geral, os
coeficientes de morbimortalidade por doenças mentais, suicídios ou acidentes
e DSTs são mais elevados entre não casados (viúvos, solteiros, desquitados,
divorciados). Acredita-se que isso pode estar relacionado à solidão, à
instabilidade, ou à maior exposição aos fatores (PEREIRA, 2003; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
Os fatores socioeconômicos também são importantes determinantes. Tomemos o
estado de saúde das nações, que é um dos critérios através dos quais se
torna possível classificá-las nas categorias de desenvolvidas, em
desenvolvimento ou subdesenvolvidas. Sabemos que regiões mais desenvolvidas
disponibilizam os melhores sistemas de saúde, menores taxas de doenças
transmissíveis, menor número de óbitos por violência e doenças infecciosas
(PEREIRA, 2003; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999; ALMEIDA FILHO; BARRETO,
2011).
EPIDEMIOLOGIA ANALÍTICA E ESTUDO TRANSVERSAL
Como mencionado,
os
estudos analíticos
são aqueles que verificam a associação de fatores de risco com os desfechos de saúde
(óbito, doenças e outros). Os estudo analíticos podem ser observacionais ou
experimentais. Os estudos observacionais não intervêm na saúde do indivíduo, apenas
observam a distribuição dos fenômenos (doença, agravos, óbito, cura e outros) e seus
preditores.
Os estudos experimentais são baseados em uma ou mais
intervenções na saúde
do indivíduo
, como na testagem de um novo medicamento ou vacina, de métodos de
diagnóstico e outros (próximo tópico deste contepudo) (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; FRANCO; PASSOS, 2011).
Dentre os principais tipos de estudos observacionais, o mais realizado é o
transversal. Esse tipo de estudo é capaz de medir a prevalência de desfechos em
saúde e seus preditores, e de gerar hipóteses dos fatores de risco associados às
doenças. Ele é muito utilizado para planejar ações em saúde e medir a eficácia
dos serviços e ações de saúde (MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; FRANCO; PASSOS,
2011).
O
estudo transversal
também é chamado de seccional e de prevalência, são sinônimos muito utilizados.
O levantamento dos dados (doença ou outro evento e fatores preditores) é
realizado em único momento da pesquisa e não há acompanhamento do estado de
saúde do indivíduo, ou seja, investiga-se o que se tem naquele momento. Os dados
coletados refletem o presente e o passado, o que o indivíduo tem naquele momento
da pesquisa e o que ele acumulou em todos os anos vividos. Por isso,
caracteriza-se como um estudo retrospectivo (PEREIRA, 2003; MEDRONHO, 2009;
GORDIS, 2009).
Para o delineamento da pesquisa, primeiramente, é preciso selecionar a população que
será estudada, o número de pessoas e a representatividade da amostra (10 a 30 % da
população total de um município, por exemplo). O ideal é sortear aleatoriamente uma
amostra da população. O pesquisador também deve planejar as variáveis que serão
investigadas. Após a coleta de dados, examinam-se as distribuições das variáveis
dentro dessa amostra. Com a coleta de dados sobre a exposição a fatores de risco
(preditores) e os problemas de saúde, é possível sugerir a causa e o efeito (GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015).
Zoom no Conhecimento
As variáveis são detectadas apenas naquele momento para verificar a distribuição dos
desfechos e seus determinantes em uma população, definindo a prevalência da doença a
partir de uma amostra populacional (Figura 7), e não a incidência (PEREIRA, 2003;
GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015). O estudo transversal é útil para estudar populações e inquéritos
epidemiológicos (HULLEY
et al
., 2015)
As fontes utilizadas geralmente são prontuários médicos, laudos laboratoriais,
questionários aplicados para uma população, bases de dados como a plataforma DATASUS do
Sistema Único de Saúde, e outros (GORDIS, 2009; PEREIRA, 2003; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Delineamento de um estudo transversal
No estudo transversal, a exposição e a ocorrência da doença são medidos no mesmo
momento, por isso não se pode avaliar relação causa-efeito, ou seja, não se pode afirmar
a causa daquele evento, somente sugerir.
Não se tem certeza de que o desfecho foi
atribuído à exposição a um fator preditor. Isso porque não há um período de
acompanhamento dos indivíduos participantes da pesquisa, e nem intervenção em sua
saúde
.
O pesquisador não estava no momento da exposição e não pode afirmar que o preditor
precedeu o desfecho. Lembre-se de que os estudos transversais são retrospectivos e,
muitas vezes, as fontes dos estudos transversais não são completamente confiáveis
(PEREIRA, 2003; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROUQUAYROL;
ALMEIDA FILHO, 1999).
Por isso, dizemos que as associações verificadas no estudo transversal apenas
geram a hipótese de causa-efeito, mas não afirmam causalidade. Para isso,
devemos realizar estudos do tipo ensaio clínico ou de coorte. Em geral, os
estudos transversais utilizam amostras representativas da população, e não o
todo. Por isso, é importante definir com rigor os limites de sua população, pois
será preciso o denominador para o cálculo da prevalência.
Embora não represente
o ideal metodológico da epidemiologia moderna, tem sido o mais empregado na
pesquisa. Isto se deve às muitas vantagens de se realizar este tipo de estudo,
como a curta duração, a avaliação preliminar de uma hipótese; a simplicidade de
execução, a facilidade e o baixo custo.
Por ser um estudo retrospectivo, simples e de baixo custo que verifica o
resultado de ações já executadas, o estudo transversal tem sido muito utilizado
para acompanhar e avaliar programas de prevenção de doenças. Por exemplo,
podemos verificar se o rastreamento do câncer de próstata foi efetivo em
detectar novos casos após a Campanha Nacional Saúde do Homem. Assim, podemos
verificar a situação de saúde após a aplicação de uma medida de controle. Por
exemplo: podemos coletar os dados de prevalência de câncer de colo uterino após
a implantação e o acesso ao diagnóstico citopatológico oncótico, também
conhecido como exame de Papanicolaou. Delineamento de um estudo transversal,
neste tipo de estudo, a partir de uma população selecionada por amostragem,
realiza-se um levantamento de variáveis e desfechos em saúde simultaneamente,
obtendo-se a distribuição da doença e dos fatores investigados.
O estudo transversal possui problemas metodológicos de pesquisa e algumas
limitações, como: é pouco eficiente para demonstrar relação causal; não há
garantias de que a exposição precedeu a doença. O paciente não foi acompanhado
pelo pesquisador, então não sabemos se ele se expôs a um fator de risco antes ou
depois de ter a doença. São estudos ineficientes para avaliar a evolução clínica
da doença (não se acompanha). Os pesquisadores podem cometer erros de
classificação dos problemas ou de exposição, principalmente quando os registros
são incompletos ou preenchidos por diferentes pessoas. Não avalia medidas de
risco (risco relativo, risco atribuível ou outro), apenas de associação (
Odds
ratio
e razão de prevalência) (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2011).
Podem ainda ocorrer inúmeros vieses durante a pesquisa, como o de seleção e de
memória, que são os mais comuns. No viés de seleção, podemos ter problema na
amostragem, como não ser representativa da população. Pode-se também selecionar
uma amostra por conveniência, na qual o pesquisador escolhe quem participará da
pesquisa de forma não aleatória, mas intencional. Isto pode influenciar no
resultado final da pesquisa e favorecer o desfecho que se busca e não
verdadeiramente o que se tem (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Aprofundando
Para analisar os resultados dos estudos transversais, podemos comparar o indicadores de
saúde e de exposição de uma população ou mais, e realizar os testes de significância
estatística, como o teste de diferença de proporções (Z e T) e o teste do Qui-quadrado
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
As únicas conclusões legítimas derivadas da análise dos estudos de prevalência
restringem-se a relações de associações e não de causalidade. Portanto, o emprego da
medida de associação de
Odds
ratio
ou razão de prevalência é o mais indicado para gerar hipóteses dos fatores de risco
associados aos desfechos investigados (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009;
ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Vamos dar um exemplo de um estudo hipotético. Na cidade de Santa Helena (Paraná),
realizou-se um estudo transversal para avaliar fatores associados com a doença
cardiovascular. Os adultos com mais de 20 anos e de ambos os sexos somavam 20.000
habitantes. Essa população foi submetida à dosagem de glicemia de jejum para
rastreamento de diabetes
mellitus
(DM) e foram questionadas sobre a presença de doença cardiovascular.
Todas as variáveis preditoras e de desfecho foram coletadas simultaneamente.
Como resultado, 2.000 indivíduos tiveram diagnóstico para DM, dos quais oito
apresentaram doença cardiovascular
(DC).
Ao final da coleta dos dados e análise, 26 pacientes manifestaram DC. Lembre-se que
montar uma tabela de contigência (2x2) é a melhor maneira para calcularmos a
Odds
ratio
. Logo:
Tabela 1 – Exemplo 1, estudo transversal sobre doença cardiovascular e a exposição a
diabetes mellitus
Fonte: a autora.
A medida de associação mais indicada é a
Odds
ratio
(OR), multiplicação dos pares que concordam (AxD) dividido pelo resultado da
multiplicação dos discordantes (BxC), assim: 8 x 17.982/ 18x1992= 4,01. Isso significa
que os pacientes expostos a diabetes
mellitus
têm uma chance quatro vezes maior de desenvolver a doença cardiovascular em relação aos
pacientes não expostos à diabetes
mellitus
.
ESTUDO CASO-CONTROLE
Outro tipo de estudo retrospectivo e observacional é o de caso-controle, em que se
verificam fatores de risco e de prognóstico.
É muito caro realizar estudos de coorte
(próximo tópico) ou estudos transversais de amostras da população geral na
investigação
de causalidade
. Cada um desses estudos exigiria milhares de sujeitos para a
identificação de fatores de risco associados a uma doença rara, como o câncer de
estômago (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011;
FRANCO; PASSOS, 2011; ROTHMAN, GREENLAND; LASH, 2011).
VOCÊ SABE
RESPONDER?
O
estudo de caso-controle
é utilizado para a pesquisa de fatores de risco associados a essas doenças, raras
(malformações, cânceres raros, e outras) ou de longo período de latência. Por que
caso e controle? Primeiro, seleciona-se o grupo de pacientes com a doença rara, mas
também é necessário montar um grupo-controle, sem a doença, de referência, para que
a prevalência do fator de risco nos sujeitos com a doença (casos) possa ser
comparada com a prevalência em sujeitos sem a doença (controles) (PEREIRA, 2003;
GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Pensando Juntos
Este estudo é utilizado normalmente para doenças de baixa incidência (raras) ou com
período de latência longo, como as malformações congênitas e a infecção pelo HIV (AIDS),
respectivamente. O estudo de caso-controle também podem ser indicado para a pesquisa de
surtos epidêmicos, ou diante de agravos desconhecidos. De forma rápida e pouco
dispendiosa, permite a investigação de fatores de risco associados a esses problemas.
Compara-se um grupo de indivíduos acometidos pela doença em estudo, os CASOS, com outro
grupo de indivíduos que devem ser em tudo semelhantes aos casos (
pareados
), diferindo somente por
não
apresentarem a referida doença, os CONTROLES (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO,
2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Devemos sempre selecionar de forma criteriosa os casos. Para isso, é preciso que
se tenha uma definição precisa do caso, utilizando-se critérios de diagnósticos
(exames clínicos, moleculares, laboratoriais que confirmem o caso), e que se
caracterize o estágio da doença, suas variantes ou tipos clínicos. Devemos
também definir a fonte dos casos (pacientes atendidos em um ou mais serviços
médicos ou doentes encontrados na população geral?).
Os controles devem também
passar por testes de diagnóstico que excluam a doença nesses indivíduos.
Lembre-se que os controles não podem ter a doença investigada (PEREIRA, 2003;
GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND;
LASH, 2011).
Zoom no Conhecimento
O estudo caso-controle pode ser classificado, quanto à seleção dos grupos, em pareados
(semelhantes quanto a idade, sexo, raça, condição socioeconômica, etc.) e não pareados.
O pareamento dos grupos é para se excluírem variáveis de confundimento e preservarem
fatores realmente relevantes que possam ser atribuídos à doença. Por exemplo: se o grupo
de casos de malformação congênita for constituído apenas de mães em idade fértil, o
grupo controle deverá ser formado também de mulheres com a mesma faixa etária, por
exemplo, evitando-se o confundimento com a idade. Podemos parear quanto aos aspectos
sócio-demográficos, histórico familiar e outros. Estudos não-pareados não são
recomendados (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011;
ROTHMAN; GREENLAND; LASH; 2011).
Outro exemplo: pretende-se estudar o infarto agudo do miocárdio em pacientes
internados em uma unidade hospitalar, e o grupo de casos foi apenas constituído
de homens e idosos. Devemos selecionar um grupo controle também só de homens e
idosos, que não foram internados por alguma doença cardiovascular, que não
possuem histórico de doença cardiovascular. Seria uma má escolha compará-los com
pacientes que possuem os mesmos riscos cardíacos, pois seria impossível
encontrar um fator associado à doença.
O estudo caso-controle pode ser classificado também quanto à origem dos dados:
utilizam-se os dados existentes de prevalência (retrospectivo) ou de incidência
(casos novos, prospectivo). No estudo retrospectivo, o mais realizado,
primeiramente selecionam-se os casos (pessoas doentes) e os controles (não
doentes). Posteriormente, investigam-se as variáveis às quais os indivíduos
foram expostos. Assim, coletam-se medidas atribuídas ao momento da pesquisa e ao
passado (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Os dados também podem ser coletados diretamente com o paciente a partir de
questionário, ou de fichas, prontuários médicos e outros. Estes estudos
apresentam muitas vantagens: baixo custo relativo, curta duração, alto poder
analítico (muitos fatores de risco podem ser pesquisados), serem adequados para
estudar doenças raras, medirem o prognóstico de uma doença rara.
Os estudos transversais e de caso-controle não requerem uma infra-estrutura
complexa para a realização da pesquisa, uma vez que não acompanham e não
intervém na saúde do indivíduo, são apenas observacionais, requerendo apenas um
espaço para a computação dos dados e o arquivamento dos questionários e dos
termos de consentimento. Muitas vezes, requerem apenas uma sala com materiais de
consumo, como um computador, papel sulfite, tinta de impressora, e acesso a
internet (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009).
Figura 5 – Delineamento de um estudo do tipo caso-controle.
Fonte: a autora.
Os estudos de caso-controle não podem medir as reais taxas de incidência ou
prevalência de uma doença
No entanto, esse tipo de estudo pode apresentar alguns problemas: é incapaz de
avaliar o risco, apenas verifica associação, e é vulnerável a inúmeros vieses
(seleção, memória, etc). Os estudos de caso-controle não podem medir as reais
taxas de incidência ou prevalência de uma doença, pois a proporção de sujeitos
com a doença no estudo é determinada pelo número de casos e controles que o
investigador decide amostrar, e não pelas suas proporções na população. Assim,
as medidas de risco e razão de prevalência não são recomendadas (GORDIS, 2009;
ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN, GREENLAND; LASH, 2011; HULLEY et al.,
2015).
O que os estudos caso-controle podem fornecer são informações descritivas sobre
as
características dos casos e, o que é mais importante, uma estimativa da
magnitude da
associação entre cada variável preditora e a presença e ausência da doença.
Essas
estimativas são expressas na forma de razão de chances (
Odds
), que se aproxima do risco relativo e da razão de prevalência (PEREIRA, 2003;
GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND;
LASH, 2011).
Portanto, a forma de análise da associação entre um fator preditor e um desfecho
é a
utilização da medida de
Odds
ratio
. E como medida de significância estatística podemos utilizar o teste do
Qui-Quadrado ou Mantel-Haenszel. Os testes estatísticos devem ser selecionados
de
acordo com a distribuição de normalidade da amostra, e este conteúdo você
encontrará
na disciplina de estatística ou Bioestatística (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN, GREENLAND E LASH, 2011;
HULLEY
et al
., 2015).
Aprofundando
Agora, vamos aplicar um exemplo hipotético de estudo caso-controle para que você
compreenda melhor a sua utilização:
Um total de 30 crianças recém-nascidas, portadoras de anomalias congênitas do coração,
foram examinadas e suas mães interrogadas com respeito a exposições potencialmente
teratogênicas: 10 relataram que tinham tido rubéola no primeiro trimestre de gestação.
Entre as crianças sadias, nascidas sem evidências de malformações congênitas
(controles), foram selecionadas 300 para o grupo-controle; 20 mães afirmaram que tinham
tido rubéola no primeiro trimestre da gravidez.
Tabela 2. Exemplo 2, estudo de caso-controle sobre a malformação cardíaca em
recém-nascidos e a exposição materna ao vírus da rubéola
Fonte: a autora.
Neste estudo, a estimativa da prevalência de malformação congênita foi de 9% da
população de recém-nascidos. A pergunta é: existe associação da malformação com a
infecção por rubéola durante o primeiro trimestre gestacional? Para isso, calculamos a
Odds
ratio
= OR= 280X10 (AxD)/20X20 (BxC) = 2800/400 = 7. Assim, a probabilidade de que o feto
exposto ao vírus da rubéola durante o primeiro trimestre de gestação tenha malformação é
sete vezes maior que os fetos não expostos.
Após a realização dos estudos descritivos, os estudos transversais e de
caso-controle são os primeiros estudos analíticos a serem realizados para levantar
hipóteses de fatores preditores das doenças ou outros agravos. Caso não tenha sido
encontrada uma associação, não se perdem tempo e recursos na realização de estudos
de alto custo e tempediosos, como os estudos de coorte e ensaio clínico. No entanto,
se verificada a associação, é preciso investigar a real causalidade do fator
preditor. Para isso, são indicados os estudos prospectivos: observacionais, como
os de coorte, ou experimentais, como os do tipo ensaio clínico
(PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999).
ESTUDO DE COORTE
Os
estudos de coorte
são do tipo observacional e prospectivo, ou seja,
não há intervenção experimental na
população selecionada, apenas observam-se os fatores preditores de desfecho
. É
prospectivo pois seleciona-se uma população e acompanha-se o aparecimento dos desfechos
e dos fatores preditores (exposição) durante um certo período, geralmente por um ano ou
mais. Logo, o aparecimento de um desfecho é algo novo, e trabalha-se com a medida de
incidência.
Pensando Juntos
O objetivo geral deste estudo é identificar a etiologia, os fatores de risco e o
prognóstico de doenças, óbitos e agravos. Por isso os estudos de coorte são os únicos
estudos observacionais capazes de abordar hipóteses etiológicas, produzindo medidas de
incidência e medidas diretas de risco (risco relativo) (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009;
MEDRONHO, 2009; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011; BENSEÑOR;
LOTUFO, 2005).
Os estudos de coorte também são chamados de prospectivos, de seguimento ou
follow-up
O termo coorte significa unidades de combate das legiões romanas, unificadas pelo
uniforme padronizado, e descreve um grupo de pessoas que têm algo em comum ao serem
reunidas e que são observadas por um período de tempo para ver o que acontece com
elas (PEREIRA, 2003). Os estudos de coorte também são chamados de
prospectivos, de seguimento ou
follow-up
(seguimento em inglês), pois acompanham um grupo de pessoas durante um tempo,
investigando os fatores de risco/proteção e os desfechos incidentes durante e ao
final do estudo (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Veja o exemplo da Figura 6. Inicialmente, o pesquisador deve selecionar a população
a ser estudada; por exemplo: na cidade Y foram selecionados aleatoriamente 100.000
habitantes, que foram acompanhados por um ano. Todos foram submetidos a exames
laboratoriais e clínicos para a detecção de doença cardíaca (desfecho), e
observou-se também o consumo de alimentos e de bebidas, atividade física regular e
outros preditores da doença (fatores de risco ou proteção; exposição). Ao final de
um ano, ocorreram 10 casos novos de doença cardíaca na cidade Y, ou a incidência da
doença foi de 10 casos a cada 100.000 habitantes.
Figura 6 – Delineamento de um estudo de corte.
Fonte: a autora.
Neste outro exemplo (Figura 7), o pesquisador pode dividir a população a ser
estudada em dois grupos, desde o início da pesquisa, em indivíduos que são expostos
a fatores de risco e os que não sofrem exposição a esse determinado fator. Ambos os
grupos são acompanhados por um período (um ano ou mais), e observa-se o aparecimento
de doenças em cada grupo (GORDIS, 2009).
Figura 7 – Delineamento de um estudo de coorte utilizando dois subgrupos
Fonte: a
autora.
As vantagens dos estudos de coorte é que permitem o cálculo direto das taxas de
incidência (prospectivo) e o do risco relativo (RR); podem ser bem planejados;
evidenciam associações de um fator de risco com uma ou mais doenças, ou outro
desfecho; há uma menor probabilidade de conclusões falsas ou inexatas. Isto é devido
ao acompanhamento presencial do pesquisador e à observação direta dos fatores
preditores e desfechos, assim como à facilidade de análise dos resultados (PEREIRA,
2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Zoom no Conhecimento
Diferentemente dos estudos observacionais, a coorte é prospectiva e, para acompanhar o
paciente ao longo do tempo, requer uma infraestrutura adequada para o atendimento dos
indivíduos, a realização de exames e outros procedimentos; e recursos humanos que
prestem serviços durante a pesquisa. Por isso seu custo é elevado. Para se obter bons
resultados, o ideal é acompanhar a população a ser estudada por um período de um ano ou
mais, por isso são de longa duração e dispendioso. Encontramos na literatura estudos de
20 a 30 anos de seguimento. No decorrer da pesquisa, podem ocorrer modificações na
composição do grupo selecionado, em decorrência de perdas por diferentes motivos (óbito,
migração, e outros). Pode-se ainda haver a dificuldade em manter a uniformidade do
trabalho (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Nos estudos que acompanham subgrupos, o indivíduo que estava alocado no grupo
não exposto pode sofrer a exposição ao fator de risco (por vontade própria, ou
acidentalmente), uma vez que essa intervenção não pode ser feita pelo
pesquisador. O ideal é que este indivíduo seja excluído da pesquisa, e não
alocado no outro grupo, o que poderia levar a erros de seleção e outros
problemas metodológicos (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
No final da pesquisa, podemos observar mais de um desfecho, como a ocorrência da
doença e de agravos. Nestes casos, utilizamos a medida de incidência para
verificar a frequência e a distribuição dos desfechos encontrados. As formas de
análise são o risco relativo e o risco atribuível (RA, RAP%). Também utilizamos
a estatística para validar a significância do risco (GORDIS, 2009; MEDRONHO,
2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Tomemos o exemplo hipotético: uma investigação realizada em um banco de sangue de um
hospital chegou aos seguintes resultados: entre 2 mil pessoas que receberam transfusão
sanguínea, acompanhadas durante um ano, 200 contraíram hepatite. No grupo controle, de 5
mil pessoas que não receberam transfusão, acompanhadas igualmente durante período
idêntico, apenas cinco contraíram a doença. Primeiro, montamos a tabela de contingência
(2x2):
Tabela 3 – Exemplo 4, estudo de coorte sobre a hepatite e a exposição a transfusão
sanguínea
Fonte: a autora.
Aprofundando
Por se tratar de um estudo de coorte prospectiva, medem-se a incidência e o risco. O RR
é dado pela fórmula [(A/A+B)/(C/C+D)] (incidência de hepatite no grupo exposto a
transfusão, dividido pela incidência da doença no não exposto). Logo, a incidência de
hepatite foi de 10% (200/2000= 0,10 x 100%), ou de 100 casos a cada mil pessoas. O risco
de se ter hepatite sem receber transfusão de sangue foi de 0,1% ou 1 caso a cada mil
pessoas (5/5000= 0,001). Qual é o risco de se ter hepatite quando exposto à transfusão
de sangue em relação aos não expostos? Calculamos o RR (0,10/0,001) de 100, ou seja, a o
risco de ter hepatite é 100 vezes maior nos indivíduos expostos à transfusão em relação
ao outro grupo.
Nos estudos de coorte, também encontramos fatores de proteção associados aos desfechos.
Nestes casos, o RR será menor que um e pode ser interpretado como explicado
anteriormente. Um RR igual a 1 mostra que não há risco de adoecer quando exposto a um
fator de risco, não há diferença entre ser exposto ou não. Outro estudo que utiliza o RR
como medida de análise da exposição e um evento em saúde é o experimental do tipo ensaio
clínico.
ENSAIO CLÍNICO/ESTUDO EXPERIMENTAL (HUMANOS E NÃO HUMANOS)
Os
estudos experimentais
realizam intervenção na saúde do indivíduo participante da pesquisa. Eles são sempre
prospectivos, e não existe estudo experimental retrospectivo.
Os indivíduos são alocados
aleatoriamente para grupos, chamados de estudo (ou experimental, teste) e controle
(ou
testemunha, de referência), de modo a serem submetidos ou não a uma vacina, um
medicamento, um diagnóstico
, um outro produto ou procedimento, para terem seus efeitos
avaliados em condições controladas de observação (PEREIRA, 2003; GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Os estudos experimentais em seres humanos são considerados o padrão-ouro dos
estudos epidemiológicos, ou seja, o melhor tipo de estudo, aquele que é uma
referência em afirmar causa e efeito. Além dos estudos experimentais em humanos,
podemos realizar estudos sobre microrganismos, células e moléculas (
in vitro
) e em animais (
in vivo
). Os estudos com drogas, vacinas e outros testes
in vivo
e os ensaios clínicos devem obedecer às regras e leis internacionais e nacionais
das instituições de Ética em Pesquisa com Seres Vivos (PEREIRA, 2003; GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).
Os estudos experimentais realizados em humanos são chamados de ensaios clínicos,
e podem ser randomizados ou não randômicos. A randomização significa a alocação
aleatória de uma pessoa em um dos grupos, evitando seleção de conveniência ou
qualquer outro viés subjetivo dos investigadores (GORDIS, 2009). Os ensaios
clínicos randomizados são considerados ideais para avaliar a efetividade de uma
intervenção ou outro desfecho esperado. Neste estudo, temos um grupo de
indivíduos que receberão a intervenção, e outro que não. O grupo controle pode
receber um placebo, por exemplo, mas não a intervenção teste (PEREIRA, 2003;
GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Os estudos do tipo ensaio clínico randomizados são considerados o “padrão-ouro” dos
estudos epidemiológicos, ou seja, os de maior credibilidade e confiabilidade no
campo científico. Este estudo é o que possui maior evidência em avaliar as políticas
públicas e clínicas em saúde (GORDIS, 2009). Você ainda pode ler ou ouvir falar que
o ensaio clínico foi cego ou duplo-cego. O estudo cego significa que o grupo teste e
o controle não sabem se receberam a intervenção tes- te ou o placebo, e o duplo-cego
é quando nem os grupos e nem o pesquisador sabem o que está sendo testado em um dado
momento. Somente no final da pesquisa isso é revelado e, nesse caso, é preciso que
um membro da pesquisa, não o pesquisador principal, tenha conhecimento de qual grupo
recebeu a intervenção (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011).
Zoom no Conhecimento
Para realizar um ensaio clínico, é preciso consultar se as condições experimentais que
se pretende testar são viáveis ou se já foram realizadas. Isso evitará gastos
desnecessários e plágios. É possível conseguir referências de estudos do tipo ensaio
clínico por meio de bases de dados internacionais como o Medline/Pubmed, EMBASE,
Cochrane, e nas bases regionais LILACS e Scielo. As bases de dados fornecem descritores
que se referem a esse tipo de estudo. Podemos utilizar o termo “randomized controlled
trial” do MeSH (PubMed). Buscas com maior sensibilidade podem ser obtidas usando filtros
de busca, especialmente quando se buscam revisões sistemáticas da literatura. Outros
termos que podem ser pesquisados são: controlled clinical trial, randomized (trial),
randomly, trial. Lembre-se que nas bases internacionais você encontra artigos
científicos em diferentes idiomas, e que pode utilizar esse filtro para selecionar
estudos em português, inglês, espanhol ou outros idiomas. Fonte: a autora.
A pergunta do estudo experimental é: quais são os efeitos da intervenção?
Os resultados da intervenção podem ser analisados pela comparação das taxas de
incidência dos desfechos nos grupos de estudo (teste) e controle. Por exemplo: taxas
de doença, óbitos, reações colaterais, elevação do nível de anticorpos, ou outro
desfecho clínico e laboratorial. É particularmente indicado para a avaliação de
eficácia de vacinas, medicamentos, procedimentos, diagnósticos laboratoriais e ou-
tros (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Delineamento de um ensaio clínico randomizado
Os ensaios clínicos randomizados possuem muitas vantagens, como serem constituídos
de grupos homogêneos, evitando variáveis de confusão. Por exemplo: quanto ao sexo, a
alocação aleatória permitirá a distribuição homogênea de homens e mulheres nos
grupos, com mínimas chances de haver um grupo formado unicamente de mulheres e o
outro de homens.
Isso poderia prejudicar os resultados da pesquisa,
devido ao
aspecto hormonal ou a outra característica que o sexo influencie. É fácil selecionar
os controles, pois não receber uma intervenção e participar da pesquisa é
interessante e convidativo
. A decisão da intervenção é do pesquisador e permite a
testagem de inúmeros fatores. Esses estudos possuem alta credibilidade como
evidências científicas. Os resultados são medidos em incidência e a interpretação é
simples. Assim como os estudos de coorte, os experimentais podem ter muitos
desfechos clínicos, os quais podem ser investigados simultaneamente. É o estudo que
afirma causalidade dos problemas de saúde (PEREIRA, 2003; GORDIS, 2009; MEDRONHO,
2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Embora seja o melhor tipo de estudo, encontramos também alguns problemas: algumas
situações não podem ser investigadas. Por exemplo: determinar que pessoas fumem e
outras não fumem. Questões éticas podem inviabilizar os estudos. Por exemplo: na
testagem de um novo medicamento de HIV, selecionar um grupo que não receberá terapia
antiretroviral; alguns participantes deixarem de receber tratamentos benéficos ou
passarem a receber os maléficos; tais estudos requerem estrutura administrativa e
técnica de porte razoável, estável, bem preparada e estimulada; possuem custo
elevado, pois necessitam de recursos humanos e financeiros; são de longa duração,
como os testes de vacinas, que podem requisitar de cinco a dez anos para se obter
uma conclusão; pode haver conflito de interesse entre o pesquisador e a empresa que
fornece a intervenção (o medicamento, a vacina, ou outro) (PEREIRA, 2003; GORDIS,
2009; MEDRONHO, 2009; HULLEY
et al
., 2015; BENSEÑOR; LOTUFO, 2005).
Figura 8 – Delineamento de um estudo do tipo ensaio clínico randomizado.
Fonte: a
autora.
Alguns países permitem que os participantes da pesquisa recebam algum tipo
de pagamento (até em dinheiro), mas no Brasil isso não é permitido. Em nosso
país, as pesquisas devem subsidiar todos os gastos do paciente em relação à
intervenção e garantir um seguro saúde. As substâncias e procedimentos devem
ser altamente seguros para experimentação em seres humanos, com protocolos
de experimentação aprovados pelos Comitês em Pesquisa com Seres Humanos.
Mesmo com todos os cuidados, ainda podem ocorrer problemas durante a
pesquisa, como efeitos indesejados, desde uma toxicidade até o óbito do
indivíduo submetido à experimentação. Isto tem gerado muitas indenizações às
instituições. Além disso, existe uma burocracia para se obter um parecer
favorável para a realização da pesquisa, que pode demorar até anos para ser
obtido (ZUCHETTI; MORRONE, 2012). É por isso tudo que muitas pesquisas não
continuam ou nem chegam a ser propostas, tendo apenas resultados dos estudos
transversais ou de caso-controle.
Os estudos clínicos são conduzidos em fases distintas (pré-clínica e
clínica), e cada uma visa a responder questões específicas. A fase
pré-clínica é aquela realizada antes de iniciar as testagens em seres
humanos. É aquela em que os cientistas levam anos testando as substâncias
in vitro
(nos laboratórios, com células e outros organismos) e em animais (
in vivo
). A fase clínica é a fase de testes em seres humanos, e é composta por
quatro fases sucessivas (I, II, III e IV). A fase I, verifica a segurança do
tratamento; a Fase II verifica a eficácia do tratamento; na Fase III,
compara-se o novo tratamento com o existente (de referência, ou placebo); e
a Fase IV é realizada para se confirmar se os resultados obtidos na fase III
são aplicáveis em uma grande parte da população. Somente depois da conclusão
de todas as fases, o medicamento ou outro insumo poderá ser liberado para
comercialização e disponibilizado para uso. Na leitura complementar deste
conteúdo, você obterá mais informações de como conduzir um estudo clínico
(GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; ROTHMAN; GREENLAND; LASH, 2011; HULLEY
et al
., 2015).
Aprofundando
Para analisar os resultados dos ensaios clínicos, podemos utilizar o cálculo de risco
relativo (RR) (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; PEREIRA, 2003) = incidência em vacinados ou
submetidos à experimentação (IV), dividido pela incidência em não vacinados/não
submetidos à experimentação (INV).
Podemos ainda calcular a eficácia da intervenção comparando-a com o placebo ou o não
vacinado. Seria a aplicação do risco atribuída ao grupo que não recebeu a intervenção de
desenvolver o problema em saúde em relação aos que receberam. Mostra a redução da doença
pelo uso da intervenção (GORDIS, 2009; MEDRONHO, 2009; PEREIRA, 2003) =
Eficácia da vacina: [(INV – IV)/INV] x 100, ou 1- RR.
Segue um exemplo hipotético de ensaio clínico:
No intuito de verificar o efeito protetor de uma vacina contra a rubéola, 2.000
voluntários que estavam em igual risco de sofrer a doença concordaram em participar de
uma investigação e foram separados aleatoriamente, sendo 50% para cada grupo com
características semelhantes. No grupo dos vacinados, a doença ocorreu em 20 indivíduos,
enquanto que no grupo dos não vacinados (controle) acometeu 100 pessoas. Suponha que,
passados 12 meses de observação, constatou-se que a incidência da doença foi bem menor
nos indivíduos vacinados do que nos não vacinados. Veja a distribuição dos casos:
Tabela 5 – Exemplo 5, ensaio clínico sobre uma vacina contra a rubéola
Fonte: a autora.
A incidência da doença no grupo vacinado foi de 20 casos a cada mil pessoas (0,02 ou
2%), e no grupo não vacinado foi de 100 casos a cada mil pessoas (0,10 ou 10%). O RR foi
de 0,2 (incidência no exposto de 0,02, dividido pela incidência nos não expostos, de
0,1). Isto significa que a vacina protegeu fortemente o grupo exposto. Quando RR é menor
que um, indica proteção. A eficácia da vacina foi de 80% [(0,1 -0,02)/0,1) x100%].Outra
forma de interpretar é: o risco de desenvolver a rubéola é 80% menor nos vacinados em
relação aos que não receberam a vacina.
Novos desafios
Chegamos ao final deste conteúdo! Espero que você tenha compreendido a importância e a
aplicação dos estudos epidemiológicos para a compreensão dos problemas de saúde e seus
determinantes. Aqui, você aprendeu os conceitos e as aplicações dos principais tipos de
estudos epidemiológicos: os observacionais e os experimentais. Dentre os estudos
observacionais retrospectivos, que utilizam a medida de prevalência, os mais utilizados
são os descritivos, transversais e de caso-controle, e o observacional de coorte
prospectivo (medida de incidência). Por último, abordamos o padrão-ouro da
epidemiologia, o estudo experimental do tipo ensaio clínico.
O estudo descritivo descreve a situação de saúde de uma população de acordo com tempo,
lugar e pessoa, e é o primeiro estudo a ser realizado, pois inicialmente precisamos
descrever o problema de saúde e, depois, é necessário verificar os fatores envolvidos.
Os demais estudos abordados são utilizados para verificar fatores de risco associados
aos problemas de saúde.
A partir dos estudos transversais e de caso-controle, podemos sugerir hipóteses de
fatores de risco relacionados às doenças ou outros desfechos. Esses estudos não afirmam
causalidade, pois medem a estimativa do risco da exposição (
Odds
ratio
ou razão de prevalência), e não o verdadeiro risco (risco relativo, incidência). Os
estudos que afirmam causalidade são o de coorte e o ensaio clínico. O estudo de coorte
acompanha um grupo de pessoas e observa a incidência de desfechos e seus determinantes,
sem realizar qualquer pesquisa de intervenção na saúde do indivíduo. Os estudos do tipo
ensaio clínico são aqueles que avaliam uma intervenção (novo medicamento, vacina ou
outro) em um grupo teste e outro que não receberá a intervenção (controle ou placebo).
Como você pode ver, realizar um estudo epidemiológico ainda requer muito planejamento,
leitura de outros livros, de estudos publicados na literatura, leis e normativas
referentes aos estudos em animais e em seres humanos. Espero que tenha tirado máximo
proveito desse conteúdo.
REFERÊNCIAS
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métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011, p. 699.
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